Trecho puramente
médico-semiológico do livro "Cais da Sagração", de Josué Montello.
"A Lourença vive se consumindo, a me pedir para ir ao médico. Afinal, para não ser desmancha-prazeres, resolvi ir ao doutor. Um gordo, de óculos. Dr. Estêvão. Antes eu não tivesse ido à consulta dele. Se arrependimento matasse, eu também já estava aqui, debaixo da terra, como você. Levou um tempão me apalpando. Eu nu da cintura para cima, com uma preta de touca me olhando. Tive até de abrir a braguilha, veja você. Pra que, não sei. O que ele mandava, eu fazia, feito menino. Você me conhece, sabe o que isso me custou.
Até a língua ele quis que eu mostrasse; mostrei. Fez não sei quantas perguntas, e eu ia respondendo como podia. Pôs o dedo debaixo do meu olho, puxou para baixo, acendeu uma luzinha em cima dele. Depois me mandou ficar de pé, com os olhos fechados; fiquei. Mandou abrir os olhos; abri. Aí pôs a orelha em cima do meu peito, me mandou respirar. Houve uma hora que pensei dizer até logo, doutor, passe bem, e dar o fora. Mas me calei, para saber onde é que aquilo tudo ia parar. Aí ele me disse que eu me deitasse, botou no meu braço um aparelho com um ponteirinho, apertou bem, ficou olhando o ponteiro. Depois escorregou o dedo no meu braço, procurando o pulso, achou, ficou mexendo os beiços, como se estivesse rezando, e de olho no mostrador do relógio. No fim, quis que eu sentasse na cama, com as pernas para fora, balançando. Foi num armário, trouxe um martelinho, bateu com o martelinho no meu joelho, primeiro num, depois no outro."