Jailson Sousa de Oliveira
Médico Recém-Graduado pela
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Arthur Bastos Rocha
Estudante do Curso de
Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
A hanseníase é uma doença infecciosa
crônica provocada pelo Mycobacterium leprae, e que
promove um acometimento neural e cutâneo em diversas formas clínicas. O
comprometimento da função nervosa pode, em combinação a traumas repetidos,
resultar em deformidades importantes e grande limitação da capacidade funcional
das mãos. Dentre as principais anormalidades das mãos em pacientes com
hanseníase, destacam-se as paralisias dos nervos cubital, mediano e
radial, "garras digitais", ausência de dedos por amputação traumática
ou espontânea, retração dos dedos por absorção das falanges, além das úlceras
palmares. A hanseníase tem no diagnóstico precoce uma das bases para seu
controle efetivo, quanto mais precoce o diagnóstico e o tratamento da
hanseníase, menores serão os riscos de sequelas e o período de contágio da
doença.
Palavras-chave: Hanseníase.
Deformidades. Mãos.
A hanseníase é uma doença infecciosa
crônica causada pelo Mycobacterium leprae, e que se
manifesta por lesões na pele e nos nervos periféricos. A predileção pela pele e
nervos periféricos confere características peculiares a esta enfermidade,
tornando o seu diagnóstico simples na maioria dos casos. O dano neurológico
leva às sequelas, muitas vezes graves, que podem surgir, no curso da hanseníase
(RODINI et al., 2010).
A hanseníase constitui um importante
problema de saúde pública no Brasil e em vários países do mundo. Ainda é
considerada como um problema mundial comum, com 750.000 novos casos
diagnosticados a cada ano, sendo endêmica no Brasil, onde se registram, em
média, 47 mil casos novos por ano; assim, o Brasil é o país que tem o segundo
maior número absoluto de casos no mundo. Cerca de 30% dos pacientes já
apresentam danos estabelecidos nos nervos ao momento do diagnóstico, e
problemas ortopédicos podem se desenvolver mesmo depois de o tratamento com
antibióticos ter sido realizado com êxito bacteriológico. Complicações
ortopédicas da lepra incluem arquitetura óssea alterada, levando a tensão
repetidas por traumas locais que, em combinação com os danos nos nervos
periféricos, causam úlceras frequentes (RODINI et al., 2010; MOONOT et al.,
2005; ARAÚJO et al., 2003).
Estimativas indicam que cerca de dois a
três milhões de indivíduos no mundo tenham algum grau de incapacidade funcional
como resultado dessa doença. A infiltração dos nervos periféricos
pelo M. leprae inicia uma cascata de eventos destrutivos com
edema intraneural e destruição de axônios por células TCD4. A função a longo
prazo do nervo afetado é determinada efetivamente pela duração da doença e do
nível de prejuízo do nervo no momento do diagnóstico e início da terapia
(RODINI et al., 2010; ANDERSON, 2006).
A infecção evolui de modos variados
conforme a resposta imunológica do hospedeiro frente ao bacilo. Esta resposta
imune constitui determina as diferentes formas clínicas da doença. Com uma
resposta imunológica competente, o indivíduo evolui para a forma clínica
localizada e não-contagiosa da doença; se esta competência não é efetiva, uma
forma difusa e contagiosa é desenvolvida. Entre estes dois extremos,
encontram-se as formas intermediárias, que refletem, também, graduais variações
da resistência ao bacilo (LOMBARDI; FERREIRA, 1990).
Apesar de hoje ser uma doença com cura
possível, a hanseníase quando não diagnosticada e tratada precocemente, pode
evoluir com diferentes tipos e graus de incapacidades físicas envolvendo mãos,
pés e face. A predileção do bacilo causador da hanseníase por instalar-se em
pele e seus anexos e nos nervos periféricos, é o que precipita todo o processo
incapacitante (GARBINO, 1991).
As neuropatias são alterações prevalentes
no quadro clínico da doença, podendo ser a única manifestação clínica, podendo
ainda ser silenciosas, nas quais o dano funcional do nervo se instala sem
quadro clínico de dor e espessamento do tronco neural. O nervo mais
comprometido nos membros superiores é o ulnar com área crítica ao redor do
cotovelo, seguindo do mediano em prevalência. Nos membros inferiores o nervo
fibular comum é o mais acometido, seguido do tibial posterior. Já no segmento
cefálico o nervo facial é o mais prevalente, acompanhado do auricular magno (AGRAWAL et al., 2005).
Os nervos dos membros superiores são
citados como os mais precocemente afetados em relação aos membros inferiores.
Nos membros superiores observa-se certa ordem de inicio do acometimento e
frequência, os nervos radial superficial e o ulnar, ramos sensitivos, vêm em
primeiro lugar seguidos do ulnar, motor e sensitivo no cotovelo, o nervo
mediano, no punho, e por último, e em menor frequência, o nervo radial no braço
(MARCIANO; GARBINO, 1994). A
apresentação clínica do acometimento dos nervos do membro superior é de
acometimento distal, com evolução gradual para déficits proximais. No exame
físico observa-se acometimento primário da mão, devendo ser alvo de
investigações na suspeita de hanseníase, para evitar o acometimento neural e sequelas
prováveis.
O acometimento primário mais prevalente é
do nervo ulnar, e na evolução temporal da patologia ocorre perda da
sensibilidade térmica dos pacientes, evoluindo então para a sensibilidade
álgica, pela espessura das fibras mielínicas mais adelgaçadas nas fibras
sensitivas. Ao exame o paciente pode apresentar-se com uma lesão
vesico-bolhosa, em geral com perda de sensibilidade nas adjacências da lesão. A
lesão do nervo periférico reduz o trofismo do órgão efetor, levando a
diminuição do controle de nutrientes e favorecendo a processos de necrose
celular no epitélio deste paciente, além da resposta inflamatória que pode
estar exacerbada, cursando com destruição dos tecidos da pele, mais
característico nas reações hansênicas.
A reação inflamatória também pode levar a
edemas, perilesionais ou em articulação de punho e cotovelo. O acometimento de
fibras álgicas pode levar a dores de intensidade elevada de acordo com o grau
de extensão, uma das queixas do paciente. Pode haver ulcerações nesta região pela
perda dos reflexos de retirada e proteção, sujeitando a região a maior
traumas. Com o avanço da doença sem tratamento, ocorre então
comprometimento das fibras motoras, que são mais espessas, ocasionando quadros
de déficit motor, entre eles o mais clássico é o da mão em garra, com paralisia
do quarto e quinto quirodáctilos. Se não houver abordagem terapêutica adequada
este paciente poderá evoluir com acometimento do nervo mediano, levando a
paralisia completa da mão, a chamada “mão simiesca”. Caso o nervo acometido
inicialmente seja o nervo mediano, o paciente desenvolve uma paralisia chamada
“mão em garra”, com plegia do terceiro, segundo e primeiro quirodáctilos. Caso
o nervo radial, mais raramente acometido, seja lesionado, o paciente cursa com
paralisia da musculatura extensora, levando a “mão caída”. Nestes casos é comum
haver ao longo do tempo espessamento do nervo e atrofia da musculatura pela
redução do trofismo celular mediado pelos nervos periféricos.
Contudo, ao exame da mão, percebe-se
geralmente que o nervo ulnar é o mais acometido pela síndrome compressiva que
ocorre resultante do edema neural associado ao processo inflamatório culminando
com o espessamento do epineuro, que é inelástico e impermeável, associado ao
ponto crítico anatômico que é a sua passagem pelo sulco ulnar do epicôndilo
medial do úmero. Este conjunto de fatores levam a aumento da pressão
intraneural que comprime o seu axônio e gera as alterações no corpo celular e
sofrimento neuronal, gerando a fisiopatologia e quadro clínico descrito. Em
casos onde a reação inflamatória é muito exacerbada, pode-se constatar a
presença de troncos nervosos espessados palpáveis e que seguem o trajeto do
nervo, especialmente o nervo ulnar por ser mais superficial em alguns
pontos (JAMBEIRO et al., 2008).
As deformidades e as incapacidades que são
encontradas nas mãos de pacientes com hanseníase decorrem de três fatores
principais: alterações de sensibilidade, alterações de motricidade e estados
imuno-inflamatórios. Ainda que a distribuição do bacilo pelos nervos seja
difusa, alguns destes se apresentam especificamente mais acometidos, e no
membro superior, estes são o cubital, mediano e radial, nesta ordem (DUERKSEN;
VIRMOND, 1997).
As principais deformidades encontradas nas
mãos de pacientes com hanseníase incluem além das paralisias dos nervos
cubital, mediano e radial; amiotrofias das regiões tenar e hipotenar e dos
interósseos; garras digitais, ausência de dedos por amputação traumática ou
espontânea; retração dos dedos por absorção das falanges e úlceras palmares
(CAMPOS-PATRONY et al., 1978).
Há comprometimento de nervos sensitivos e
autonômicos da pela nas formas precoces de hanseníase, assim como nas manchas
hipocrômicas, hipoestésicas e anidróticas. Em formas clínicas mais avançadas, a
neuropatia caracteriza-se como mononeuropatia múltipla (GARBINO, 1991).
A perda da sensibilidade térmica ocorre
inicialmente, seguida da dolorosa e terminada pela tátil. A falta de
sensibilidade protetora inicia um processo cíclico de destruição da mão, o qual
é alimentado pela perda do reflexo natural de imobilização que se segue a um
trauma. Dessa forma, o paciente se sente em condições de continuar a usar seu
segmento mesmo traumatizado, aumentando a extensão do dano, principalmente em
profundidade (DUERKSEN; VIRMOND, 1997).
A paralisia do nervo cubital tem como
principal deformidade a mão em garra, também chamada de "garra cubital”,
correspondendo à hiperextensão das articulações metacarpo falangeanas do quarto
e quinto dedos, com flexão de suas interfalangeanas. Pela falta de musculatura
intrínseca, estabilizando as articulações metacarpofalangianas, ocorre o
esgotamento do poder de tração dos tendões extensores ao nível destas
articulações, impedindo que as articulações mais distais se estenda (Op. Cit.).
A paralisia do nervo mediano ocorre após a
paralisia do nervo cubital, gerando uma paralisia cúbito-mediana, com uma garra
de todos os dedos da mão, denominada “mão em garra” completa. Além disso,
ocorre o encurtamento progressivo dos tendões flexores, promovendo contratura
da região palmar. A paralisia do nervo radial é de uma ocorrência pouco comum.
Nos casos de paralisia do nervo radial gera um quadro de mão caída (Op. Cit).
As deformidades e incapacidades das mãos
na hanseníase não fazem parte necessariamente do quadro e da evolução clínica
da doença. Mas como a hanseníase é uma doença infectocontagiosa de
evolução lenta, para um diagnóstico precoce, é necessário que os profissionais
da saúde estejam treinados e que a população esteja atenta para os sinais e
sintomas iniciais. A incapacidade tende a ocorrer quando não há
diagnóstico precoce da doença. Quanto mais precoce o
diagnóstico e o tratamento da hanseníase, menores serão os riscos de sequelas e
o período de contágio da doença.
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