Por Arthur
de Sousa Pereira Trindade
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
As miopatias
fazem parte do grupo das doenças neuromusculares. Podem ser classificadas em
genéticas ou adquiridas, sendo aquelas as mais comuns. A história clínica do
paciente com miopatia deve conter informações sobre o início, a duração e a
evolução dos sintomas. O motivo da procura de assistência médica é geralmente a
fraqueza muscular, com dificuldade de realização de determinadas atividades
físicas. É necessário caracterizar o tipo da dificuldade que o paciente
apresenta, o que orienta quanto à topografia dos músculos afetados. As
principais manifestações, além da fraqueza e atrofia musculares
proximais, são reflexos tendinosos reduzidos, fácies miopática, sinal de Gowers
e marcha anserina.
Palavras-Chave: Miopatias.
Distrofia Muscular. Retrações Musculares.
As doenças
musculares, ou miopatias, constituem um grupo heterogêneo de enfermidades que
têm em comum o fato de afetarem os músculos esqueléticos, produzindo redução ou
perda da força muscular. O termo “miopatia” inclui as doenças que afetam a
parte distal da unidade motora, isto é, a fibra muscular propriamente dita, ou
então a junção neuromuscular. Estas doenças sempre evoluem com absoluta
preservação da sensibilidade e ausência de fasciculações.
Os músculos
estriados, responsáveis pelos movimentos e posturas, recebem inervação
diretamente do corno anterior da medula espinhal e, assim, o comprometimento de
suas fibras leva a fraqueza muscular, diminuição dos reflexos miotáticos e
alterações tróficas, com desgaste muscular. A lesão das fibras musculares pode
ter como origem numerosos fatores, como lesão do neurônio motor periférico
(medula), distúrbios vasculares e metabólicos e até longos períodos de
inatividade física, mas em alguns casos, não se identifica a causa precisa do
dano.
Assim, as miopatias fazem parte de um grupo de
“doenças neuromusculares”. Neste grupo, há um acometimento primário da unidade
motora, composta pelo motoneurônio medular, raiz nervosa, nervo periférico,
junção mioneural e músculo. É o comprometimento da fibra muscular que resulta
na miopatia.
O músculo esquelético é uma estrutura plástica,
mantida por múltiplas vias de sinalização celular que regulam o turnover de
proteínas. Na atrofia muscular, sistemas proteolíticos são ativados e as
proteínas contráteis e organelas são deslocadas, resultando no encolhimento das
fibras musculares. Há perda excessiva de massa muscular, que está associada com
mau prognóstico em várias doenças, incluindo miopatias e distrofias musculares,
bem como em doenças sistêmicas tais como câncer, diabetes mellitus e
insuficiência cardíaca (BONALDO; SANDRI, 2013).
As miopatias, de um modo geral, apresentam
características clínicas que orientam o diagnóstico, embora nem sempre seja
possível uma distinção entre as alterações tróficas de origem nervosa
(neurogênica) e as miopatias propriamente ditas. Isto se torna mais difícil
pelo fato de algumas miopatias acharem-se associadas a lesões do neurônio motor
periférico. Alguns achados clínicos podem facilitar o diagnóstico, como a
fácies miopática (figura acima), ou de tapir (diminuição da expressividade
facial, blefaroptose bilateral e protrusão labial), postura pecualiar com
acentuação da lordose lombar, marcha de “pato” ou anserina (marcha típica com
inclinações laterais em virtude da fraqueza muscular da cintura pélvica), a
mudança da posição deitada para a de pé apresenta sequência característica, que
se denomina sinal de Govers (do decúbito dorsal, o paciente passa para o ventral
e, em seguida, assume aposição genupeitoral, apoiando as mãos sobre o
solo, depois nos joelhos, até que em um impulso final, alcança finalmente a
posição ortostática).
As miopatias são agrupadas em três grandes grupos:
(1) causas genéticas (com miotonia ou sem miotonia): distrofias musculares
congênitas, distrofias musculares progressivas, distrofia muscular de
Duchenne, miastenia gravis, miopatias mitocondriais, miopatias
periódicas, miopatias por corpos de inclusão; (2) causas adquiridas: origem
inflamatória, metabólica, infecciosa ou endócrina, manifestando-se como
miosites, como por exemplo, a polidermatomiosite, a miopatia tireotóxica e a
miopatia alcoólica (MERCURI, 2002).
As miopatias inflamatórias idiopáticas são um grupo
de doenças raras, incluindo polimiosite, dermatomiosite, miopatias necrosantes
auto-imunes. As miopatias inflamatórias idiopáticas partilham muitas
semelhanças: apresentam-se de forma aguda, subagudamente, ou cronicamente, com
acentuada fraqueza muscular proximal e simétrica. A síndrome de sobreposição
refere-se à associação das três miopatias referidas com doenças do tecido
conectivo, tais como o lupus eritematoso sistêmico ou esclerodermia (DIMACHKIE;
BAROHN, 2012).
A distrofia miotônica é o tipo mais comum de
distrofia muscular em adultos e é caracterizada por miopatia progressiva,
miotonia e envolvimento de múltiplos órgãos. Duas entidades geneticamente
distintos foram identificadas: a distrofia miotônica tipo 1 (também conhecida
como doença de Steinert) e a distrofia miotônica tipo 2. Ambas as doenças são
causadas por herança autossômica dominante (UDD; KRAHE, 2012).
A história clínica do paciente com miopatia deve
conter informações sobre o início, a duração e a evolução dos sintomas. O
motivo da procura de assistência médica é geralmente a fraqueza muscular, com
dificuldade de realização de determinadas atividades físicas. É necessário
caracterizar o tipo da dificuldade que o paciente apresenta, o que orienta
quanto à topografia dos músculos afetados.
Muitas miopatias tendem a atingir seletivamente
músculos proximais, o que leva a dificuldade em executar atos como levantar-se
do chão ou de uma cadeira, ou mesmo da posição de cócoras, subir e descer
escadas ou realizar tarefas que exijam o levantamento dos braços acima da
cabeça. Ptose (debilidade muscular do elevador das pálpebras) e diplopia também
podem ser observadas, com comprometimento bilateral, embora possa ser
assimétrico. A debilidade dos músculos faciais é geralmente bilateral, o que
origina a fácies miopática, já descrita.
No tocante às manifestações clínicas gerais das
miopatias, observam-se ao exame físico, fraqueza proximal, atrofia
muscular proximal, reflexos tendinosos diminuídos ou ausentes, sensibilidade
tátil, térmica, dolorosa normais, a presença do sinal de Gowers já mencionado e
a marcha anserina (ROCCO et al., 2005). Na distrofia muscular infantil de
Duchenne pode ser observada a pseudohipertrofia muscular nas panturrilhas.
Verifica-se redução dos reflexos osteotendinosos, em proporção com a redução da
força muscular.
A percepção das manifestações clínicas varia em
relação à idade de apresentação da doença. No recém-nascido e no lactente,
verifica-se a síndrome da criança hipotônica, com hipotonia muscular associada
a déficit motor e a hipo ou arreflexia dos reflexos profundos e arcaicos,
geralmente estando normal o grau de alerta (REED, 2002). A própria hipotonia é
particularmente valorizada em contraste com hipertonia em semiflexão do
recém-nascido normal; contudo, no lactente, devido à hipotonia fisiológica do
segundo e terceiro trimestre de vida, o retardo ou a não aquisição das etapas
do desenvolvimento motor constitui o aspecto mais valorizável. Dependendo do
tipo de miopatia, alguns recém-nascidos e lactentes apresentam dificuldade em
sugar e deglutir, bem como insuficiência respiratória (REED, 2002)
Na criança maior, é característico a manifestação da
síndrome das cinturas, que se constitui de déficit motor e
hipotrofia proximal da cintura escapular e pélvica, embora mais raramente o
déficit possa ocorrer com predomínio distal ou de forma difusa. Nas crianças
deambulantes, nas fases iniciais do processo distrófico é comumente referida
alteração da marcha, que se acompanha de báscula de bacia, além de dificuldade
de correr e subir escadas. Com o avançar da doença, por comprometimento da
musculatura proximal da coxa, da bacia e da coluna, ocorre acentuação da
lordose lombar e no já referido sinal de Gowers. O acometimento da cintura
escapular resulta no sinal da escápula alada, em que, ao erguer os braços, as
escápulas se afastam da parede posterior do tórax e se elevam, tornando-se
salientes (TALIM et al., 2000).
Existem ainda outros sinais semiológicos que também
indicam miopatias: dismorfismo facial, palato em ogiva, comprometimento da
musculatura facial e ocular, sobretudo ptose palpebral, e artrogripose
(deformidades articulares fixas e rigidez de tecidos moles adjacentes) múltipla
congênita (EAGLE, 2002).
Dessa forma, a investigação semiológica das miopatias
constitui-se de observação da postura e da marcha do paciente, teste dos
reflexos arcaicos e profundos, por meio do martelo de Buck ou de Taylor, teste
das sensibilidades e teste de força muscular.
Uma forma de miopatia dita granulomatosa é uma doença
rara dos músculos esqueléticos, que desenvolve-se em associação com outras
doenças granulomatosas, sendo geralmente considerada uma miopatia secundária.
Descrevemos dois casos de miopatias não sarcoides granulomatosas, para que o
trabalho de diagnóstico se-não revelam um granuloma subjacente causando a doença. Jasim e Shaibani (2013) descreveram dois pacientes com miopatias granulomatosas que
apresentaram características histopatológicas semelhantes em biópsias de
músculo esquelético, mas com diferentes apresentações clínicas. Um paciente
apresentou fraqueza muscular distal, enquanto o outro teve uma distribuição
mais proximal da fraqueza muscular.
A miosite de corpos de inclusão esporádica (MCI) é a
miopatia inflamatória idiopática mais comum após a idade de 50 anos.
Apresenta-se com fraqueza muscular assimétrica insidiosa crônica proximal e distal
do braço. Apesar das semelhanças com polimiosite, é provável que a MCI seja
primariamente uma doença degenerativa, em vez de uma doença inflamatória do
músculo (DIMACHKIE; BAROHN, 2013).
Diante de um paciente com suspeita clínica de
miopatia, é necessário fazer o diagnóstico diferencial com as doenças crônicas
do corno anterior da medula espinhal (esclerose lateral amiotrófica, atrofia
muscular progressiva, paralisia bulbar progressiva), o que em geral,
clinicamente, é muito difícil. A partir daí, lança-se mão de exames
complementares, o que está na alçada de neurologistas, para quem o paciente
deve ser encaminhado.
Referências
BONALDO, P.; SANDRI, M. Cellular and molecular mechanisms
of muscle atrophy. Dis Model Mech, 6(1):25-39, 2013.
DIMACHKIE, M. M.; BAROHN, R. J. Inclusion body myositis. Neuromuscul
Disord, 13(1):321, 2013.
DIMACHKIE, M. M.; BAROHN, R. J. Idiopathic inflammatory
myopathies. Semin Neurol 32(3):227-36, 2012.
EAGLE,
M. Report on the muscular dystrophy campaign workshop: exercise in
neuromuscular diseases Newcastle, January 2002. Neuromusc Disord,
12:975-983, 2002.
JASIM, S.; SHAIBANI, A. Non-Sarcoid
Granulomatous Myopathy: Two Cases and a Review of
Literature. Int J Neurosc, 2013, in press.
REED, UC. Doenças Neuromusculares. Jornal de Pediatria, 78(1):
S89-S103, 2002.
ROCCO, F. M.; LUZ, F. H. G.; ROSSATO, A. J.; et al.
Congenital muscular dystrophies. Semin Pediatr Neurol, 9:
120-131, 2002.
TALIM, B.; KALE, G.; TOPALOGLU, H. et al. Clinical and histopathological study of
merosin-deficient and merosin-positive congenital muscular dystrophy. Pediatr
Dev Pathol, 3:168-176, 2000.
UDD, B.; KRAHE, R. The myotonic dystrophies: molecular,
clinical, and therapeutic challenges. Lancet Neurol, 11(10):891-905,
2012.
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