21 de janeiro de 2013

Semiologia Clínica das Miopatias


Por Arthur de Sousa Pereira Trindade
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
As miopatias fazem parte do grupo das doenças neuromusculares. Podem ser classificadas em genéticas ou adquiridas, sendo aquelas as mais comuns. A história clínica do paciente com miopatia deve conter informações sobre o início, a duração e a evolução dos sintomas. O motivo da procura de assistência médica é geralmente a fraqueza muscular, com dificuldade de realização de determinadas atividades físicas. É necessário caracterizar o tipo da dificuldade que o paciente apresenta, o que orienta quanto à topografia dos músculos afetados.  As principais manifestações, além da  fraqueza e atrofia musculares proximais, são reflexos tendinosos reduzidos, fácies miopática, sinal de Gowers e marcha anserina.

Palavras-Chave: Miopatias. Distrofia Muscular. Retrações Musculares.

As doenças musculares, ou miopatias, constituem um grupo heterogêneo de enfermidades que têm em comum o fato de afetarem os músculos esqueléticos, produzindo redução ou perda da força muscular. O termo “miopatia” inclui as doenças que afetam a parte distal da unidade motora, isto é, a fibra muscular propriamente dita, ou então a junção neuromuscular. Estas doenças sempre evoluem com absoluta preservação da sensibilidade e ausência de fasciculações.
Os músculos estriados, responsáveis pelos movimentos e posturas, recebem inervação diretamente do corno anterior da medula espinhal e, assim, o comprometimento de suas fibras leva a fraqueza muscular, diminuição dos reflexos miotáticos e alterações tróficas, com desgaste muscular. A lesão das fibras musculares pode ter como origem numerosos fatores, como lesão do neurônio motor periférico (medula), distúrbios vasculares e metabólicos e até longos períodos de inatividade física, mas em alguns casos, não se identifica a causa precisa do dano.
Assim, as miopatias fazem parte de um grupo de “doenças neuromusculares”. Neste grupo, há um acometimento primário da unidade motora, composta pelo motoneurônio medular, raiz nervosa, nervo periférico, junção mioneural e músculo. É o comprometimento da fibra muscular que resulta na miopatia.
O músculo esquelético é uma estrutura plástica, mantida por múltiplas vias de sinalização celular que regulam o turnover de proteínas. Na atrofia muscular, sistemas proteolíticos são ativados e as proteínas contráteis e organelas são deslocadas, resultando no encolhimento das fibras musculares. Há perda excessiva de massa muscular, que está associada com mau prognóstico em várias doenças, incluindo miopatias e distrofias musculares, bem como em doenças sistêmicas tais como câncer, diabetes mellitus e insuficiência cardíaca (BONALDO; SANDRI, 2013).
As miopatias, de um modo geral, apresentam características clínicas que orientam o diagnóstico, embora nem sempre seja possível uma distinção entre as alterações tróficas de origem nervosa (neurogênica) e as miopatias propriamente ditas. Isto se torna mais difícil pelo fato de algumas miopatias acharem-se associadas a lesões do neurônio motor periférico. Alguns achados clínicos podem facilitar o diagnóstico, como a fácies miopática (figura acima), ou de tapir (diminuição da expressividade facial, blefaroptose bilateral e protrusão labial), postura pecualiar com acentuação da lordose lombar, marcha de “pato” ou anserina (marcha típica com inclinações laterais em virtude da fraqueza muscular da cintura pélvica), a mudança da posição deitada para a de pé apresenta sequência característica, que se denomina sinal de Govers (do decúbito dorsal, o paciente passa para o ventral e, em seguida, assume  aposição genupeitoral, apoiando as mãos sobre o solo, depois nos joelhos, até que em um impulso final, alcança finalmente a posição ortostática).
As miopatias são agrupadas em três grandes grupos: (1) causas genéticas (com miotonia ou sem miotonia): distrofias musculares congênitas, distrofias musculares progressivas, distrofia muscular de Duchenne, miastenia gravis, miopatias mitocondriais, miopatias periódicas, miopatias por corpos de inclusão; (2) causas adquiridas: origem inflamatória, metabólica, infecciosa ou endócrina, manifestando-se como miosites, como por exemplo, a polidermatomiosite, a miopatia tireotóxica e a miopatia alcoólica (MERCURI, 2002).
As miopatias inflamatórias idiopáticas são um grupo de doenças raras, incluindo polimiosite, dermatomiosite, miopatias necrosantes auto-imunes. As miopatias inflamatórias idiopáticas partilham muitas semelhanças: apresentam-se de forma aguda, subagudamente, ou cronicamente, com acentuada fraqueza muscular proximal e simétrica. A síndrome de sobreposição refere-se à associação das três miopatias referidas com doenças do tecido conectivo, tais como o lupus eritematoso sistêmico ou esclerodermia (DIMACHKIE; BAROHN, 2012).
A distrofia miotônica é o tipo mais comum de distrofia muscular em adultos e é caracterizada por miopatia progressiva, miotonia e envolvimento de múltiplos órgãos. Duas entidades geneticamente distintos foram identificadas: a distrofia miotônica tipo 1 (também conhecida como doença de Steinert) e a distrofia miotônica tipo 2. Ambas as doenças são causadas por herança autossômica dominante (UDD; KRAHE, 2012).
A história clínica do paciente com miopatia deve conter informações sobre o início, a duração e a evolução dos sintomas. O motivo da procura de assistência médica é geralmente a fraqueza muscular, com dificuldade de realização de determinadas atividades físicas. É necessário caracterizar o tipo da dificuldade que o paciente apresenta, o que orienta quanto à topografia dos músculos afetados.
Muitas miopatias tendem a atingir seletivamente músculos proximais, o que leva a dificuldade em executar atos como levantar-se do chão ou de uma cadeira, ou mesmo da posição de cócoras, subir e descer escadas ou realizar tarefas que exijam o levantamento dos braços acima da cabeça. Ptose (debilidade muscular do elevador das pálpebras) e diplopia também podem ser observadas, com comprometimento bilateral, embora possa ser assimétrico. A debilidade dos músculos faciais é geralmente bilateral, o que origina a fácies miopática, já descrita.
No tocante às manifestações clínicas gerais das miopatias, observam-se  ao exame físico, fraqueza proximal, atrofia muscular proximal, reflexos tendinosos diminuídos ou ausentes, sensibilidade tátil, térmica, dolorosa normais, a presença do sinal de Gowers já mencionado e a marcha anserina (ROCCO et al., 2005). Na distrofia muscular infantil de Duchenne pode ser observada a pseudohipertrofia muscular nas panturrilhas. Verifica-se redução dos reflexos osteotendinosos, em proporção com a redução da força muscular.
A percepção das manifestações clínicas varia em relação à idade de apresentação da doença. No recém-nascido e no lactente, verifica-se a síndrome da criança hipotônica, com hipotonia muscular associada a déficit motor e a hipo ou arreflexia dos reflexos profundos e arcaicos, geralmente estando normal o grau de alerta (REED, 2002). A própria hipotonia é particularmente valorizada em contraste com hipertonia em semiflexão do recém-nascido normal; contudo, no lactente, devido à hipotonia fisiológica do segundo e terceiro trimestre de vida, o retardo ou a não aquisição das etapas do desenvolvimento motor constitui o aspecto mais valorizável. Dependendo do tipo de miopatia, alguns recém-nascidos e lactentes apresentam dificuldade em sugar e deglutir, bem como insuficiência respiratória (REED, 2002)
Na criança maior, é característico a manifestação da síndrome das cinturas, que se constitui de déficit motor e hipotrofia proximal da cintura escapular e pélvica, embora mais raramente o déficit possa ocorrer com predomínio distal ou de forma difusa. Nas crianças deambulantes, nas fases iniciais do processo distrófico é comumente referida alteração da marcha, que se acompanha de báscula de bacia, além de dificuldade de correr e subir escadas. Com o avançar da doença, por comprometimento da musculatura proximal da coxa, da bacia e da coluna, ocorre acentuação da lordose lombar e no já referido sinal de Gowers. O acometimento da cintura escapular resulta no sinal da escápula alada, em que, ao erguer os braços, as escápulas se afastam da parede posterior do tórax e se elevam, tornando-se salientes (TALIM et al., 2000).
Existem ainda outros sinais semiológicos que também indicam miopatias: dismorfismo facial, palato em ogiva, comprometimento da musculatura facial e ocular, sobretudo ptose palpebral, e artrogripose (deformidades articulares fixas e rigidez de tecidos moles adjacentes) múltipla congênita (EAGLE, 2002).
Dessa forma, a investigação semiológica das miopatias constitui-se de observação da postura e da marcha do paciente, teste dos reflexos arcaicos e profundos, por meio do martelo de Buck ou de Taylor, teste das sensibilidades e teste de força muscular.
Uma forma de miopatia dita granulomatosa é uma doença rara dos músculos esqueléticos, que desenvolve-se em associação com outras doenças granulomatosas, sendo geralmente considerada uma miopatia secundária. Descrevemos dois casos de miopatias não sarcoides granulomatosas, para que o trabalho de diagnóstico se-não revelam um granuloma subjacente causando a doença. Jasim e Shaibani (2013) descreveram dois pacientes com miopatias granulomatosas que apresentaram características histopatológicas semelhantes em biópsias de músculo esquelético, mas com diferentes apresentações clínicas. Um paciente apresentou fraqueza muscular distal, enquanto o outro teve uma distribuição mais proximal da fraqueza muscular.
A miosite de corpos de inclusão esporádica (MCI) é a miopatia inflamatória idiopática mais comum após a idade de 50 anos. Apresenta-se com fraqueza muscular assimétrica insidiosa crônica proximal e distal do braço. Apesar das semelhanças com polimiosite, é provável que a MCI seja primariamente uma doença degenerativa, em vez de uma doença inflamatória do músculo (DIMACHKIE; BAROHN, 2013).
Diante de um paciente com suspeita clínica de miopatia, é necessário fazer o diagnóstico diferencial com as doenças crônicas do corno anterior da medula espinhal (esclerose lateral amiotrófica, atrofia muscular progressiva, paralisia bulbar progressiva), o que em geral, clinicamente, é muito difícil. A partir daí, lança-se mão de exames complementares, o que está na alçada de neurologistas, para quem o paciente deve ser encaminhado. 

Referências
BONALDO, P.; SANDRI, M. Cellular and molecular mechanisms of muscle atrophy. Dis Model Mech, 6(1):25-39, 2013.
DIMACHKIE, M. M.; BAROHN, R. J. Inclusion body myositis. Neuromuscul Disord, 13(1):321, 2013.
DIMACHKIE, M. M.; BAROHN, R. J. Idiopathic inflammatory myopathies. Semin Neurol 32(3):227-36, 2012.
EAGLE, M. Report on the muscular dystrophy campaign workshop: exercise in neuromuscular diseases Newcastle, January 2002. Neuromusc Disord, 12:975-983, 2002.
JASIM, S.; SHAIBANI, A. Non-Sarcoid Granulomatous Myopathy: Two Cases and a Review of Literature. Int J Neurosc, 2013, in press.
REED, UC. Doenças Neuromusculares. Jornal de Pediatria, 78(1): S89-S103, 2002.
ROCCO, F. M.; LUZ, F. H. G.; ROSSATO, A. J.; et al.  Congenital muscular dystrophies. Semin Pediatr Neurol, 9: 120-131, 2002.
TALIM, B.; KALE, G.; TOPALOGLU, H. et al. Clinical and histopathological study of merosin-deficient and merosin-positive congenital muscular dystrophy. Pediatr Dev Pathol, 3:168-176, 2000.
UDD, B.; KRAHE, R. The myotonic dystrophies: molecular, clinical, and therapeutic challenges. Lancet Neurol, 11(10):891-905, 2012.

Imagem: http://www.fotogeriatria.net