Por
Artur Bastos Rocha
Estudante
de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
Síndromes paraneoplásicas correspondem
a um conjunto de sinais e sintomas presente no paciente oncológico e referentes
ao acometimento de um determinado sistema que está distante do sítio neoplásico
original e não decorrente de invasão tumoral, metástase ou efeito de massa. Os
sistemas mais prevalentemente acometidos são o hematológico, dermatológico,
neurológico, endócrino-metabólico e osteomuscular. As manifestações possuem
magnitude variável. Embora o diagnóstico
muitas vezes seja de exclusão, uma melhor compreensão da patogênese envolvida
em algumas dessas síndromes proporciona maior possibilidade de reconhecer tais
transtornos. É importante pensar nesta possibilidade diagnóstica porque esta
suspeição pode levar ao diagnóstico de uma neoplasia maligna subjacente previamente
não detectada, e que pode dominar o quadro clínico, assim como por se tratar de
um quadro que pode seguir o curso clínico do tumor subjacente e, portanto, ser
útil para monitorar a sua evolução.
Palavras-Chave: Síndrome Paraneoplásica. Imunidade Cruzada.
Câncer.
As síndromes paraneoplásicas, ou
síndromes humorais associadas com neoplasias, são um conjunto
de sinais e sintomas que antecedem ou ocorrem simultaneamente à
presença de uma neoplasia maligna no organismo, mas não diretamente relacionado
ao câncer , ou seja, não decorrente de invasão neoplásica, obstrução, efeito de
massa ou efeitos metastáticos do tumor. As síndromes paraneoplásicas mais
prevalentes são as de natureza musculoesquelética, tegumentar,
endócrino-metabólica, nervosa e hematológica (MASON, 2005).
São manifestações extremamente complexas, podendo envolver vários
sistemas. Às vezes, síndromes paraneoplásicas podem ser mais graves até que
as consequências do tumor primário (FORGA et al., 2005).
A fisiopatologia precisa da maioria das
síndromes paraneoplásicas é desconhecida. Porém, o entendimento da
etiopatogenia destas síndromes tem aumentado nos últimos anos. Sabe-se que são
causadas pela secreção tumoral de substâncias
que podem alterar a função hormonal e imunológica, além de gerar reatividade
cruzada entre os tecidos malignos e os normais. Acredita-se também que as
síndromes paraneoplásicas podem ser decorrentes de mutações responsáveis pelo tumor primário.
As neoplasias mais comumente associadas
incluem o câncer de pulmão de pequenas células, câncer de mama, tumores
ginecológicos e neoplasias hematológicas. Em alguns casos, o diagnóstico
precoce destas condições pode conduzir a detecção de um tumor clinicamente
oculto de outra forma, numa fase precoce e tratável (PELOSOF; GERBER, 2010).
Embora o diagnóstico de paraneoplasia muitas
vezes seja de exclusão, uma melhor compreensão da patogênese envolvida em
algumas dessas síndromes proporciona maior possibilidade de reconhecer tais transtornos.
Além disso, é importante reconhecer uma síndrome paraneoplásica por vários
motivos, entre os quais três devem ser destacados: (1) Pode levar ao
diagnóstico de uma neoplasia maligna ou benigna subjacente previamente não
detectada; (2) Pode dominar o quadro clínico e assim levar a erros
no que diz respeito à origem e tipo de tumor primária; e (3) Pode seguir o
curso clínico do tumor subjacente e, portanto, ser útil para monitorar a sua
evolução (FORGA et al., 2005).
Já os tumores que derivam das células
sintetizadoras de imunoglobulinas, como os linfomas, estão mais comumente
envolvidos em lesões de sistema nervoso periférico do que em outro tipo
neoplásico.
Síndromes paraneoplásicas associados
com o câncer de pulmão de células pequenas incluem anormalidades
endocrinológicas secundárias à produção hormonal polipeptídica, e sequelas
neurológicas devido à produção de auto-anticorpos.
A principais síndromes paraneoplásicas
endócrinas são hipercalcemia maligna, hiponatremia (secreção inapropriada do
hormônio antidiurético), síndrome de Cushing ectópica, acromegalia ectópica,
hipoglicemia devido a tumores diferentes daqueles das células das ilhotas de
Langerhans e ginecomastia paraneoplásica.
A hipercalcemia tem como responsáveis
três mecanismos básicos: secreção de fatores
humorais que alteram a homeostase do cálcio pela ação em órgãos-alvo (osso,
rins e intestinos), fatores locais produzidos pelos tumores metastáticos ou
hematológicos no osso, estimulando diretamente os osteoclastos, e um possível
hiperparatireoidismo primário associado (MARTIN et al., 1999). É importante
ressaltar que a proteína relacionada ao hormônio da paratireóide (PTHrP) é o
fator humoral mais importante na fisiopatologia da hipercalcemia da
malignidade. A história de início agudo, com sinais sugestivos de neoplasias
como perda de peso e queda do estado geral, são mais sugestivos de
hipercalcemia malgina do que primária, de modo que a história clínica, anamnese
e exame físico podem ser elucidativos. O PTHrP é o fator humoral
mais importante na fisiopatologia das síndromes paraneoplásicas, pois ele
possui estrutura química semelhante ao PTH, ligando-se ao receptor deste último
e desempenhando função análoga. Esse fator humoral está mais presente nos
tumores sólidos do adenocarcinoma pulmonar, seguido do câncer de mama e câncer
renal (MARTIN et al., 1999).
As neoplasias malignas também estão
associadas com uma ampla variedade de síndromes paraneoplásicas reumatológicas.
Entre estas, a osteoartropatia hipertrófica, a dermatomiosite / polimiosite e a
vasculite paraneoplásica são as mais frequentemente reconhecidos. Outras
associações menos conhecidas baseiam-se em um menor número de pacientes, e
incluem a fascite, paniculite, eritema nodoso, síndrome de Raynaud, gangrena
digital, eritromelalgia e síndromes lupus-like. Manifestações
musculoesqueléticas de malignidade podem coincidir, seguir ou mesmo antecipar o
diagnóstico de câncer, ou ainda anunciar sua recidiva. O curso clínico
geralmente paralelo ao do tumor primário, e ao tratamento da doença subjacente,
muitas vezes resulta na regressão da doença reumatológica (FAM, 2000).
A osteoartropatia hipertrófica
caracteriza-se histologicamente por hiperplasia vascular, edema e excessiva
proliferação osteoblástica e fibroblástica. Percebe-se, ao exame clínico das
unhas, a presença de unhas em vidro de relógio e baqueteamento digital, onde se
evidencia a proliferação de tecido conjuntivo no leito ungueal, com vasos
sanguíneos ectasiados e de paredes espessas (CARVALHO et al.,
2007). O exame físico neste paciente torna-se indispensável e
fundamental para levantar a hipótese desse diagnóstico. A maior parte dos
quadros de osteoartropatia hipertrófica é decorrente de neoplasias
intratorácicas, sobretudo o adenocarcinoma pulmonar e, em segundo lugar, o
carcinoma de células escamosas (Op. Cit).
Manifestações reumatológicas sugerindo
um câncer oculto incluem: rápido início de uma artrite inflamatória incomum
,dores ósseas difusas em um paciente de 50 anos de idade ou mais, vasculite
crônica inexplicável, fasciite refratária, síndrome de Raynaud que não responde
à terapia vasodilatadora, gangrena digital rapidamente progressiva ou síndrome
miastênica Lambert-Eaton.
As síndromes paraneoplásicas
neurológicas têm apresentação variada, sendo algumas mais
frequentes, como a degeneração cerebelar subaguda, opsoclonia-mioclonia,
encefalite límbica e suas variantes, e a síndrome miastênica de Eaton-Lambert,
geralmente associado nos pacientes com carcinoma de pequenas células
pulmonares, agravando o quadro de insuficiência respiratória e necessitando de
suporte ventilatório mecânico até regressão do quadro. A hipótese mais aceita é
a de que muitas destas síndromes são imunomediadas (BARDY et al,
2000).
O diagnóstico correto dessas síndromes
paraneoplásicas depende da suspeição por parte do médico, além do conhecimento
de suas manifestações clínicas dos tumores associados a essas síndromes e na
pesquisa de autoanticorpos neuronais.
As síndromes paraneoplásicas cutâneas também
podem ser observadas antes ou no momento do diagnóstico da neoplasia de base,
ou, raramente, mais tarde, e caracteristicamente possuem uma evolução paralela
à do tumor. Para se considerar uma dermatose como sendo de etiologia
paraneoplásica é necessária a presença de dois critérios: a dermatose pode
aparecer previamente, concomitantemente ou após o desenvolvimento do tumor; e
uma vez realizado a exérese da lesão tumoral ocorre involução da dermatose, de
modo que o reaparecimento da lesão indica recidiva (COHEN et al., 1989).
A alteração
paraneoplásica de pele mais prevalente é a acantose nigricans maligna, que diferentemente da
benigna, que está associada a alterações metabólicas, como resistência
periférica à insulina, tende a se manifestar em áreas de articulação como a
pele da região occipitocervical. Outra dermatose paraneoplásica prevalente é o
paquidermatóglifo, uma forma distinta de ceratodermia
caracterizada pela acentuação do padrão normal dos dermatóglifos da superfície
palmar das mãos e dedos. A extrema acentuação das cristas e sulcos desse quadro
dão a aparência rugosa e estas alterações são proeminentes nas áreas de
pressão, incluindo eminências tenar e hipotenar e ponta dos dedos (BRINCA et
al., 2011). As palmas são espessadas e têm uma textura musgosa, ocasionalmente
as linhas dos dermatóglifos são obliteradas e são descritas como semelhantes a
favo de mel (COHEN et al, 1989). O sítio primário neoplásico mais comumente
associado a dermatoses paraneoplásicas é o adenocarcinoma gástrico, seguido
pelo adenocarcinoma pulmonar (BRINCA et al., 2011).
Quanto às alterações paraneoplásicas
hematológicas, predominam os tipos de neutropenia febril, as discrasias
sanguíneas e a síndrome da lise tumoral. A neutropenia febril ocorre devido à
redução na leucopoiese por causas desconhecidas, de provável etiologia de imunidade
cruzada. Já as discrasias também ocorrem em consequência de processos de
depleção das colônias formadores de células sanguíneas presentes na medula
óssea (CAEIRO, 2006). As neoplasias que mais cursam como causa de síndromes
paraneoplásicas são as próprias neoplasias hematológicas, como a leucemia
mieloide aguda e crônica. Já a síndrome da lise tumoral caracteriza-se por uma
liberação maciça de conteúdo necrótico derivado de células malignas, alterando
a homeostase corporal, cursando com alterações metabólicas como hipercalemia
entre outros distúrbios no equilíbrio eletrolítico desse pacientes. Além disso,
a liberação a necrose tumoral libera fatores que induzem a cascata de
coagulação e podem ocasionar episódios tromboembólicos e em casos muito graves,
coagulação intravascular disseminada (DARMON, 2008). Uma alteração rara, mas já
documentada, é a eosinofilia paraneoplásica, como sinal indicativo de doença
linfoproliferativa em atividade (CHAUFFAILLE, 2010).
As síndromes paraneoplásicas do sistema
nervoso são as mais raras nos pacientes com câncer, e sua frequência é
desconhecida. Podem afetar qualquer nível do sistema nervoso e frequentemente
antecedem a detecção do tumor (BARDY et al., 2000). Os tumores mais prevalentes
envolvidos nas síndromes paraneoplásicas do sistema nervoso central estão
envolvidos na expressão de proteínas neuroendócrinas, como o tumor de pequenas
células do câncer de pulmão e o neuroblastoma, afetando órgãos com função
imunomoduladora, como o timo ou aqueles órgãos que contem tecido neuronal
maduro ou imaturo.
As síndromes paraneoplásicas podem ser
pistas para se identificarem neoplasias ocultas e, portanto, compreender,
identificar e investigar as síndromes paraneoplásicas é fundamental no rastreio
e redução dos elevados índices de morbimortalidade que o câncer vem atingindo,
já que em alguns casos estes sinais são premonitórios do surgimento da
neoplasia maligna, até mesmo em casos que marcadores séricos e exames de imagem
não conseguem detectar a tumoração.
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