29 de agosto de 2013

O Médico é o "Bode Expiatório" do Sistema de Saúde


Por Rilva Lopes de Sousa-Muñoz

O médico é o "bode expiatório" do sistema de saúde no Brasil. Esta frase passou a ser um "lugar-comum" nos últimos tempos. O governo e a mídia tratam de por a culpa de todos os problemas da saúde no profissional da Medicina.
Tanto o médico brasileiro, como o cubano que está sendo trazido através do Programa "Mais Médicos", figuram nesse status. "Bode expiatório" é uma expressão usada para definir um indivíduo sobre o qual recaem as culpas alheias. Expiatório é aquele que serve para expiação.
Percebe-se que a maioria dos jornalistas brasileiros nada entende do que é o trabalho de um médico em uma cidade do interior; estes jornalistas não deveriam opinar se não têm real conhecimento dessa realidade. Contudo, contraditoriamente, opinam, e com uma tal segurança e empáfia! É muito fácil fazer críticas à classe médica e colocar a culpa no bode expiatório desse sistema de saúde falido. Afinal, o governo federal já faz isso de forma recorrente. 
O governo tem atacado os médicos brasileiros de várias formas, e estes são o único grupo organizado que o tem enfrentado. Este governo passou a ver os médicos como inimigos, seus adversários. Outro dia a presidente chamou os médicos (os brasileiros) de preguiçosos. O ministro Mercadante atacou também os médicos afirmando que a população precisa de médicos cubanos porque carece de "especialistas em seres humanos" (acaso os brasileiros não o são?).
A imprensa reproduz essa conduta do governo, sem sequer verificar o verdadeiro estado de coisas que ocorre nas cidades do interior, as características do dia a dia do médico que está no árduo e cansativo trabalho como clínico generalista ou médico de família nos rincões mais remotos desse país.
A realidade é que os médicos que vão trabalhar nas cidades pequenas e mais longínquas não têm estabilidade no emprego e sequer têm direitos trabalhistas assegurados. Se eles não apoiarem as intenções dos prefeitos dessas cidades são sumariamente "dispensados". Mesmo que os apoiem, depois de três a seis meses, aproximadamente, ficam sem receber os seus salários, ou os recebem com muito atraso. Quando há troca de prefeitos, o médico é dispensado se foi contratado pelo prefeito anterior, caso seja seu adversário político. Não há uma carreira de estado para esses médicos, que assinam simples contratos. Os médicos têm que se submeter a essas condições. É por isso que muitos rechaçam a oportunidade de ir trabalhar nessas cidades. Além disso, não há condições mínimas de trabalho, não existe o básico para atendimento em um posto de saúde, não há medicamentos, gaze, esparadrapo, luvas, sondas, material de reanimação, eletrocardiógrafo, e muitas vezes não há sequer equipamentos simples do dia a dia do trabalho clínico, como um tensiômetro que funcione. 
No entanto, como o médico é visto pela população como um "indivíduo da elite" (essa associação já nem deveria existir mais...), imagem transmitida pelo governo e reforçada todos os dias pela mídia a ele ligada, o médico passa a ser uma figura negativa para a população. Ele é retratado pela imprensa como um "playboy", que não aceita assistir à população no interior, ou que quer ganhar "fortunas" - já se foi o tempo em que ser médico era sinônimo de grandes salários, exceto para os superespecialistas hoje -, então, essa categoria passou a ser execrada e vista como o lado mau da problemática da saúde. A culpa de todos os problemas de saúde é colocada sobre a figura do médico, o "bode expiatório".
Evidentemente há profissionais médicos mal formados e não tão bem intencionados na categoria, como há em todas as outras profissões. A história do "sacerdócio" e da "vocação" em medicina não está presente em todos os profissionais que escolhem esta carreira, infelizmente. Eles são pessoas inteiramente comuns e têm os mesmos defeitos que têm outros profissionais; seria estranho se fosse diferente e, por ser médico, o indivíduo fosse destituído das vicissitudes do humano, e que todos aqueles da classe possuíssem uniformidade de comportamento e intenções.
Sem dúvida, é muito polêmica essa questão. Tenho discutido sobre isso com meus alunos e colegas, e com pessoas que não são da área da saúde. As opiniões dividem-se. Escrevi a respeito dessa controvérsia (link ao final desta postagem) em maio passado em um portal para o qual contribuo com textos sobre medicina. Neste texto, apresento brevemente o processo que se desenvolveu e culminou com o programa: os médicos cubanos tem sido, ao longo dos anos, "produto de exportação" da ilha de Fidel Castro. O governo brasileiro pretende dar sua contribuição de recursos financeiros a Cuba, percebe-se claramente a intenção de transferência de dinheiro para a ditadura cubana, em uma fórmula já testada pela Venezuela. Contudo, na Venezuela, que já importa médicos cubanos há muito tempo, os indicadores de saúde permanecem muito ruins, pois essa operação só serviu para levar a população para o lado de Hugo Chavez. Ainda se discute também a respeito de este programa fazer retornar ao Brasil, de forma fácil, ou seja, sem a realização dos exames de revalidação de diplomas, os militantes do "Movimento dos Trabalhadores Sem Terra" que foram enviados a Cuba pelo governo brasileiro para estudar medicina.
Está muito claro que a intenção do governo do Brasil não é a real melhoria da saúde da população, afinal não se pode conceber que médicos sem revalidação de diplomas e trazidos em verdadeiros "comboios", aos milhares, sejam a melhor opção para a saúde no país. Se o governo oferecesse estabilidade no emprego, direitos trabalhistas e boas condições de trabalho aos médicos brasileiros (que existem em número suficiente), eles iriam para o interior e periferias das cidades. É injusto colocar nos médicos brasileiros a culpa pelo sucateamento do sistema de saúde pública, quando a real culpa é do governo federal, há 11 anos no poder, sem ter contribuído efetivamente para a melhoria da área. 
O Conselho Federal de Medicina (CFM) não reconhece os cubanos importados agora como médicos, mas eles vão atuar profissionalmente em todo o Brasil. Para que ter registro no Conselho Regional de Medicina (CRM), se o governo federal dará a chancela a esses estrangeiros para atuarem como médicos? Não se trata, absolutamente de xenofobia, como o ministro da saúde atual quer fazer parecer qualquer manifestação contrária ao seu programa, mas é um protesto contra o exercício da medicina sem reconhecimento do CFM, no uso das atribuições que lhe são conferidas pela Lei. O governo do Partido dos Trabalhadores "rasgou" a Lei, e passou por cima de todas as normas vigentes. Imagino que os representantes do CFM e dos Conselhos Regionais de Medicina de todo o país devem estar se perguntando qual é a sua função, afinal, depois desse caos normativo que se instalou.
Os países que “importam” médicos cubanos (como se fossem verdadeiras "mercadorias") pagam ao governo cubano, que repassa apenas uma pequena parte do dinheiro aos médicos e suas famílias (que ficaram retidas em Cuba). Bilhões anuais vão para a ditadura comunista cubana. Estima-se que em pouco tempo o Brasil enviará muitos milhões de reais a Cuba com essa transação, que na verdade, é considerada como uma operação escravagista moderna. Esse dinheiro poderia estar sendo investido no sistema de saúde brasileiro.
E os médicos cubanos? Estes são pessoas destituídas de seus direitos de liberdade, e penosamente acostumados a trabalhar sob regime de exploração pelo governo cubano, aceitando, desse modo, as condições que se oferecem aqui pelo governo brasileiro. Eles aceitam receber apenas um terço do salário (a maior parte do seu salário vai para o governo de Raúl/Fidel Castro). Estes médicos cubanos não merecem ser humilhados, como no episódio lamentável que ocorreu no aeroporto de Fortaleza, Ceará, nesta semana. 
Estes profissionais que estão sendo trazidos de Cuba, sejam médicos, ou seja lá o que forem na verdade (enfermeiros, agentes de saúde), como pessoas, não merecem nem a escravização da ditadura castrista, nem os ataques da classe médica brasileira. Muitos médicos brasileiros usam expressões que pareceram xenofóbicas nas redes sociais, mas que são, na realidade, uma forma de indignação contra esse programa totalmente desarrazoado do governo do Brasil. É o atual governo do Brasil o real culpado por ter criado o programa, dito emergencial, "Mais Médicos", em função de suas motivações eleitorais e, portanto, é contra este governo que devem ser feitos os protestos.
Há dois dias, o Ministério Público Federal no Distrito Federal instaurou inquérito civil para apurar as denúncias de violações de direitos humanos dos cubanos participantes do programa. Eles estão sendo realmente escravizados, como parecem ser, segundo as leis brasileiras?
O que se pode dizer, então? O governo parece incompetente para resolver os reais problemas do sistema de saúde pública do país. Mas os médicos cubanos trazidos para o Brasil não têm culpa... 
Los médicos cubanos no tienen culpa... Estão presos à ditadura de seu país. Suas famílias ficaram lá, em Cuba, para evitar que eles fujam, ao se encontrarem fora da ilha comunista que os mantem oprimidos e sem direito à liberdade. Também são, de alguma forma, "bode expiatório".
De acordo com o Prof. Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e diretor da Escola Paulista de Medicina,
Os médicos que o governo já começou a trazer de Cuba terão que sobreviver no Brasil sem a família, férias, 13% salário e outras garantias legais. Viverão na condição de milagreiros, para que consigam exercer a medicina em postos de saúde sem o mínimo de estrutura, com falta de medicamentos, equipamentos, enfermeiros, anestesistas, nutricionistas, entre tantas outras carências. E, para que o Programa Mais Médicos se torne realidade, o Brasil repassará a Cuba R$ 40 milhões por mês, sendo que os profissionais que vêm atuar no nosso país receberão uma mísera parte desse valor." [...] O que falta ao médico para que ele se fixe nas regiões menos favorecidas, além de condições dignas para viver e trabalhar, é uma carreira de Estado. A situação atual, além de eleitoreira, é semelhante a um indivíduo que, quando vai ao médico com queixa de cefaleia, tem amputada a cabeça. A proposta de interiorizar a medicina sem cuidar da infraestrutura e sem avaliar o profissional que atuará dentro das nossas fronteiras, inclusive do ponto de vista psicotécnico, pode colocar em perigo a saúde da população. É mister investir mais no setor como um todo, construir hospitais e postos de saúde, equipá-los, montar equipes multiprofissionais e valorizar os recursos humanos. Ou nossos governantes encaram o problema, ou o sistema de saúde pública prosseguirá sem solução no curto, médio e longo prazo.
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