Por
Laís Araújo dos Santos
Estudante
de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
A fadiga, relacionada a etiologia
específica ou idiopática, deve ser avaliada segundo características temporais,
impacto sobre qualidade de vida, doenças concomitantes e medicamentos em uso.
Exames laboratoriais devem ser limitados na ausência de outros sintomas. Fadiga
crônica não implica a presença necessariamente na síndrome da fadiga crônica. A fadiga crônica é o sintoma mais comum associado com o câncer e outras doenças crônicas progressivas. As principais afecções relacionadas a fadiga são psiquiátricas, endócrino-metabólicas, neurológicas, hemato-neoplásicas, infecciosas, cardio-pulmonares, doenças reumatológicas e distúrbios do sono. Há superposição frequente entre fadiga e depressão. Boa relação médico-paciente é
importante, sobretudo em doentes terminais.
Descritores: Fadiga. Etiologia. Sinais e Sintomas.
A
fadiga é uma queixa muito comum. Estima-se que 21 a 33% dos pacientes que
procuram cuidados primários de saúde nos Estados Unidos relatam
fadiga significativa, sendo a prevalência maior em mulheres que em homens. Inquéritos de base populacional
realizados na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos relatam prevalência entre 6% e
7,5%. (LAWRIE et al., 1997). Um estudo transversal com
trabalhadores norte-americanos demonstrou que a prevalência de fadiga
pelo período de duas semanas chega a ser de 38 % (RICCI et
al., 2007).
Queixas subjetivas relacionadas à saúde são comuns
em todas as sociedades, e dor e fadiga estão entre as mais frequentes. Wilhelmsen (2006) atenta para o fato de que a
dor é considerada um “bilhete válido” para receber cuidados de saúde, tem sido
amplamente pesquisada e existem numerosas clínicas de dor, enquanto a
fadiga é ainda controversa. Estudos científicos de fadiga são escassos, e as
clínicas de fadiga são inexistentes na maioria dos lugares.
A fadiga clínica incorpora três
componentes, presentes em graus variáveis em cada paciente: incapacidade para
iniciar uma atividade (percepção de fraqueza generalizada, na
ausência de achados objetivos); capacidade reduzida para manter
o desempenho em atividades (fácil fatigabilidade), dificuldade
de concentração, perda de memória e labilidade emocional (fadiga mental)
(MARKOWITZ; RABOW, 2007). Fadiga deve ser distinguida da sonolência,
dispnéia e fraqueza muscular, embora estes sintomas também possam ser associados à condição (FOSNOCHT;
ENDE, 2012).
Fadiga aguda devido ao trabalho físico ou mental
extenuante é um fenômeno normal, e o tratamento de escolha é o repouso. Fadiga
patológica permanece após o repouso e pode interferir na vida social e
profissional. Fadiga central (mental ou cognitiva, que se manifesta
subjetivamente como falta de energia mental ou falta de motivação) deve ser
diferenciada de fadiga periférica (física ou muscular) (WILHELMSEN, 2006).
Segundo
Markowitz e Rabow (2007), a avaliação da fadiga inclui a
investigação dos seguintes aspectos, além da busca de causas identificáveis: início
do sintoma (abrupto ou gradual?), relação com um evento ou doença; fatores
temporais (estável, em melhora ou em piora? Qual o padrão diário?); gravidade (a partir de escalas específicas para mensuração); fatores
de melhora e piora; impacto
na qualidade de vida (capacidade de trabalhar, socializar).
Com base na duração dos sintomas, três categorias são
usadas: a fadiga recente, cujos sintomas duram menos de um
mês; a fadiga prolongada, que perdura por mais de um mês, e,
finalmente, a fadiga crônica, a qual se estende por mais de seis
meses, mas não implica necessariamente a presença da síndrome da
fadiga crônica (FOSNOCHT; ENDE, 2012).
Pacientes com doenças relacionadas a um órgão-alvo,
ou a um grupo de órgãos intrinsecamente relacionados, muitas vezes associam a
fadiga com atividades que são incapazes de completar, a exemplo da
insuficiência arterial periférica. Em contraste, os pacientes com fadiga que
não tem relação com órgão específico estão cansados o tempo todo, a fadiga não
está necessariamente relacionada ao esforço, nem melhora com o repouso.
Sintomas sugestivos de doença oculta subjacente devem ser explorados em uma
revisão detalhada de sistemas, incluindo a presença de perda de peso ou suores
noturnos. A quantidade e qualidade do sono do paciente deve ser avaliado para
determinar há relação de melhora ou piora da fadiga, pois pode sugerir um
distúrbio do sono como etiologia. Ainda, deve-se pesquisar todos os
medicamentos em uso (FOSNOCHT; ENDE, 2012).
Avaliações laboratoriais extensivas, na
ausência de uma história positiva ou exame físico, são
de pouca utilidade na avaliação do paciente fatigado. Como
exemplo, em um estudo prospectivo de 100 adultos com a queixa
principal de fadiga durante pelo menos um mês, investigações
laboratoriais elucidaram a causa da fadiga em somente 5% da
amostra. Assim, na ausência de outros achados clínicos, a pequena
probabilidade de doença leva aumenta o número de resultados laboratoriais falso-positivos
e exames de seguimento desnecessários (LANE;
MATTHEWS; MANU, 1990).
Quanto à etiologia, a fadiga crônica é o
sintoma mais comum associado com o câncer e outras doenças
crônicas progressivas (MARKOWITZ; RABOW, 2007). As principais
afecções relacionadas a fadiga são psiquiátricas
(depressão, ansiedade, transtorno de somatização), endócrino-metabólicas
(hipotireoidismo, diabetes mellitus, hipercalcemia, insuficiência adrenal,
insuficiência renal crônica, falência hepática), neurológicas (esclerose múltipla, acidente vascular encefálico, lesão cerebral traumática), hemato-neoplásicas
(câncer, anemia grave), infecciosas (endocardite, tuberculose, mononucleose,
hepatite, parasitoses, infecção por HIV e citomegalovírus), cardio-pulmonares
(insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica), doenças
reumatológicas (como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico) e
distúrbios do sono. Em muitas dessas condições, a fadiga é um achado
típico e proeminente, por vezes associada com marcadores de atividade da doença
(como citocinas e atividade de complemento), mas muitas vezes são fortemente
relacionadas a fatores psicológicos (WILHELMSEN,
2006). Causas idiopáticas são diagnósticos de exclusão e podem ser
classificadas como fadiga crônica idiopática, síndrome da fadiga crônica ou
fibromialgia (GORROLL; MAY; MULLEY, 1995).
Drogas são outra importante causa de sintomas
de fadiga crônica. Hipnóticos, relaxantes musculares,
antidepressivos, anti-histamínicos de primeira geração, beta-bloqueadores e
opióides são causas comuns de fadiga (FOSNOCHT;
ENDE, 2012).
A causa da fadiga crônica ainda permanece não
identificada em um subconjunto significativo de pacientes. Como
exemplo, um estudo que analisou os diagnósticos finais para os
médicos de família holandeses não identificou um
diagnóstico específico em 37,5% dos pacientes com queixa de fraqueza
geral ou fadiga por qualquer período de tempo (OKKES; OSKAM;
LAMBERTS, 2002). Outro estudo analisou prospectivamente
571 pacientes que procuraram consulta médica com novo episódio de fadiga. Após
1 ano de follow-up, 46.9% dos pacientes receberam um ou mais diagnósticos que
poderiam estar associados com a fadiga, sendo a maioria sintomáticos, como
problemas musculoesqueléticos (19,4%) e psiquiátricos (16,5%). Doenças clínicas
bem estabelecidas e caracterizadas ocorreram em apenas 8.2% da amostra. Não foi
elucidada uma causa que pudesse explicar a fadiga na maioria dos pacientes (NIJROLDER
et al., 2009).
É importante distinguir entre a síndrome da
fadiga crônica (SFC), uma causa rara de sintomas de fadiga crônica, e
fadiga crônica idiopática. Os critérios diagnósticos para
SFC, definidos pelo Centers for Disease
Control and Prevention (CDC) são:
1) Presença de fadiga avaliada clinicamente, de
origem inexplicada, seja persistente ou recorrente, que não
é o resultado de esforço físico em curso, que não é aliviada
pelo repouso, e resulta em redução substancial nos níveis anteriores
de trabalho, atividades educativas, sociais ou pessoais;
2) Quatro ou mais dos seguintes sintomas que
persistem ou recorrem durante seis ou mais meses
consecutivos de doença e que não são anteriores à fadiga:
auto-relato de prejuízo na memória de curto prazo ou
concentração, dor de garganta, linfonodos cervicais ou axilares dolorosos, dor
muscular, dor poliarticular sem sinais inflamatórios, dor de cabeça com padrão ou
gravidade diferente, sensação de sono não repousante e mal-estar pós-exercício que dure 24
horas ou mais.
Em contraste, a fadiga crônica por si é
definida pela presença de fadiga durante mais de seis
meses. Ademais, SFC representa um pequeno subconjunto de pessoas
que se queixam de fadiga crônica, representando 1% a 9% dos
pacientes em uma população com fadiga de pelo menos seis meses
de duração. Se a fadiga persiste por mais de seis meses e é
debilitante, mas não satisfaz os critérios para a síndrome da
fadiga crônica, é considerada fadiga crônica idiopática ou não
específica (DARBISHIRE; RIDSDALE; SEED, 2003).
Destaca-se que a fadiga é bastante comum em doentes
terminais. Quando a descoberta da etiologia específica não é
possível, tratar os sintomas, muitas vezes com uma equipe multidisciplinar, deve
ser o foco da atenção, inclusive cessar ou ajustar a dose de
opioides e tratar estados que favorecem o quadro, como anemia, anorexia,
depressão, delírio ou disfunção cognitiva (MARKOWITZ; RABOW, 2007). Finalmente, uma boa relação médico-paciente é fundamental. Dois terços dos pacientes com SFC informaram que estavam insatisfeitos com a qualidade do seu atendimento médico e sentiram que seus médicos não tinham habilidades de comunicação e educação sobre seu diagnóstico (PRICE; COUPER, 2000; WHITING; BAGNALL; SOWDEN, 2001).
A fadiga e a depressão também estão frequentemente
associadas: a fadiga física e perda de energia estão em um dos critérios da American
Psychiatric Association, o Diagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders, para diagnóstico de depressão (NORHEIM et al,
2011). Assim, destaca-se, por fim, que há uma sobreposição sintomatológica
entre fadiga e depressão.
Referências
FOSNOCHT, K.
M.; ENDE, J. Approach to the adult patient with fatigue. 2012. Disponível
em: www.uptodate.com. Acess0 em: 15 nov.
2013.
GORROLL AH, MAY LA, MULLEY AG JR (Eds), Primary
Care Medicine: Office Evaluation and Management of the Adult Patient, 3rd ed,
JB Lippincott, Philadelphia, 1995.
LAWRIE, S. M.; MANDERS, D. N.; GEDDES, J. R. et al.
A population-based incidence study of chronic fatigue. Psychol Med. 27:343,
1997.
NORHEIM KB, JONSSON G, OMDAL R. Biological mechanisms of chronic
fatigue. Rheumatology. 50 (6): 1009-18, 2011.
WILHELMSEN, I. Fatigue as a window to the brain. N
Engl J Med. 354:427-428, 2006.
Imagem:
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