3 de agosto de 2016

IX Prova Osce do Internato na Área de Clínica Médica/CCM/UFPB

DEVOLUTIVA
Prova na Modalidade Osce realizada em 30 de julho de 2016 para o Internato na Área Básica de Clínica Médica
Comissão do OSCE-CM / Departamento de Medicina Interna / Centro de Ciências Médicas / UFPB

ESTAÇÃO 1
Enunciado: Local do atendimento – Pronto Atendimento de Hospital Geral
Você é o clínico de plantão em um Pronto Atendimento. É chamado para avaliar paciente, masculino, 24 anos, casado, agricultor, recém trazido ao PA com quadro de dispneia há 1h50min. O paciente nega ser portador de doenças prévias ou uso de medicamentos. Ao exame físico encontra-se em EGR, taquipneico, lúcido, orientado, anictérico, acianótico. AR: MV+ AHT com roncos difusos, FR=26 irpm. ACV: BCNF sem sopros, FC=50bpm e PA=100/60mmHg. Exame do abdômen com dor discreta à palpação, flácido, sem organomegalias palpáveis e RHA+ e intensos. Cavidade oral sem lesões, mas com sialorreia importante. Pupilas mióticas e fotorreagentes. Sem outras alterações no exame físico.
INSTRUÇÕES PARA AS RESPOSTAS:
(1) Qual a hipótese diagnóstica mais provável e adequada para o caso?
(2) Escolha entre as opções de conduta, que vão da letra  A até a letra J,  quais seriam seus próximos 3 passos em ordem de prioridade. Escreva a letra correspondente a cada passo nos espaços abaixo e justifique verbalmente a escolha feita para o Passo 1.
 Passo 1: _________
Justificativa para o passo 1 - (resposta verbal)
 Passo 2: _________
 Passo 3:__________­­­­­

CHECKLIST

Comentários do Prof. Luiz Fábio:
A questão tinha como enunciado em caso clínico de um paciente de 24 anos, agricultor, que chega ao PA com 1h e 50mim de queixas altamente sugestivas de síndrome colinérgica (miose, dispneia com roncos, sialorréia, bradicardia). Ele negava ser portador de comorbidades ou usar medicamentos. Embora taquipneico, não havia outros sinais de insuficiência respiratória tais como cianose, fala entrecortada, rebaixamento do nível de consciência, tiragem intercostal, uso de musculatura acessória, etc. Sendo assim, embora o quadro clínico estivesse florido e o diagnóstico potencialmente grave, no momento do término do atendimento do paciente em questão, ele encontrava-se ESTÁVEL. A síndrome colinérgica é de diagnóstico eminentemente clínico-epidemiológico e, logo, a diagnóstico mais provável e adequado para o caso é de Intoxicação Exógena por inseticidas.
1)     Pediu-se para colocar a hipótese diagnóstica mais provável e adequada para o caso. Valia 2,5.
As respostas totalmente corretas aceitas foram: intoxicação exógena por inseticidas/intoxicação exógena por organofosforados ou carbamatos/ intoxicação exógena por agrotóxicos/intoxicação exógena com síndrome colinérgica/intoxicação exógena=síndrome anticolinesterásica. Resposta contendo apenas “intoxicação exógena” não recebeu pontuação completa atribuída a este item.
2)    Pediu-se para se escolherem três condutas dentre dez possíveis, e colocá-las em ordem de prioridade. Esta questão avaliava a capacidade do aluno de tomar decisões que são fundamentais num PA e, além disso, colocá-las em ordem de importância. Nem todas as decisões certas, são certas em qualquer momento.
Passo 1 – Vale 2,5
Passo 2- Vale 1,0
Passo 3- Vale 1,0
Das 10 condutas possíveis, a mais importante e prioritária para o caso é: PRESCREVER ATROPINA, que é o PASSO 1 correto. Após estabilização do doente (neste caso, o doente já estava estável), a prescrição da droga anticolinérgica é a conduta inicial mais importante a ser tomada. Deve ser prescrita sem restrições, EV. Não há dose máxima e o principal objetivo é deixar o paciente “seco”; ou seja, reduzir as secreções pulmonares. Embora o paciente do caso estivesse bradicárdico, a bradicardia era assintomática e leve e não era o principal motivo para atropinizar o paciente. Inclusive, mesmo em pacientes eucárdicos e até taquicárdicos a mesma deve ser prescrita na suspeita de intoxicação por inseticidas
Quem colocou carvão ativado, embora não seja a conduta mais prioritária, pontuou parcialmente o Passo 1.
Para o PASSO 2, a conduta mais adequada seria a prescrição de carvão ativado. Embora o caso não deixe claro a via de contaminação, estatisticamente a via oral é a mais comum. Portanto, a descontaminação por via oral com carvão ativado é indicada. O carvão ativado pode ter eficácia mesmo após a primeira hora. Já a lavagem gástrica é proscrita após 1 hora da exposição pela sua ineficácia e riscos. A única indicação de lavagem gástrica após 1 hora de exposição é quando se tem uma história de ingestão de múltiplos comprimidos/cápsulas e o procedimento é feito, não para fins de descontaminação, mas para tentar recuperar algum comprimido intacto e identificar. Como o aluno poderia escolher o carvão ativado como descontaminação, fazer lavagem gástrica estaria errado em qualquer dos passos. 
Para o PASSO 3, poderiam ser escolhidas uma das seguintes opções: Solicitar exames laboratoriais/solicitar exames radiológicos/notificar Vigilância Sanitária/prescrever pralidoxina. Todas seriam viáveis e corretas, preenchidos os passos anteriores, que são fundamentais. O diagnóstico de intoxicação exógena por inseticidas deve ser notificado. A confirmação diagnóstica é eminentemente clínica e baseada na resposta à atropinização. Embora a dosagem da atividade da enzima anticolinesterase nas hemácias possa ser solicitada e, quando baixa ou nula, confirma o diagnóstico, sua execução é demorada e, portanto, seus resultados não estão rapidamente disponíveis o que não o torna fundamental e nem prioritário. A pralidoxina é uma droga que regenera a anticolinesterase sérica e deve ser prescrita sempre que disponível. É mais eficaz nos casos de intoxicação por carbamatos, mas na ausência da certeza de se o paciente está intoxicado por organofosforados, carbamatos ou piretróides, sua prescrição é indicada.
Condutas que estão erradas em qualquer dos 3 PASSOS: Iniciar hemodiálise/ prescrever bicarbonato de sódio/ lavagem gástrica e ventilação mecânica não invasiva. Obviamente, esta última representa um recurso mandatório em casos de insuficiência respiratória. Apenas o fato de o paciente estar dispneico não configura o quadro de insuficiência respiratória. O paciente em discussão, embora taquipneico, não tinha nenhum outro critério de comprometimento da função pulmonar. Mesmo que ele estivesse hipoxêmico, um simples cateter de oxigênio poderia ser suficiente.
Por fim, o aluno tinha que justificar a escolha da conduta no passo 1. Este item valia 3,0. Ele é extremamente dependente de ter acertado o passo 1, mas também, de saber porque acertou. Nem todos os alunos escolheram atropina pelos seus efeitos anticolinérgicos e com objetivo de “secar” o paciente.

ESTAÇÃO 2
Enunciado: Local do atendimento - Ambulatório de clínica médica geral
O sr. João Neves, 81 anos, foi trazido pela filha para avaliação médica devido a mudanças em seu comportamento nos últimos 10 dias. Até então, ele mantinha independência no controle de sua rotina diária e de suas medicações. Ele é hipertenso e diabético há 15 anos e mantinha o controle das taxas com medicamentos orais. Também possuía uma disfunção renal leve, mas controlada com dieta. Devido à insônia crônica, passou a fazer uso ocasional de benzodiazepínicos para dormir. Nos últimos 10 dias, a filha notou uma modificação em seu comportamento, ele passou a ficar apático, desatento, não conseguia manter um diálogo coerente, se esquecendo das perguntas feitas ou respondendo várias vezes à mesma pergunta. Além disso, está cada vez mais sonolento e inapetente. O quadro está oscilante durante o dia, havendo períodos de maior lucidez.
Ao exame físico nota-se: paciente apático, desorientado alopsiquicamente, descorado+/4, desidratado+/4, afebril, taquipneico, PA=140/70 mmHg, FC=95bpm, FR=26 irpm. Ausculta cardíaca sem alterações e ausculta pulmonar com estertores bolhosos em bases. Abdome sem alterações.
INSTRUÇÕES PARA AS RESPOSTAS: Anote as respostas abaixo das seguintes questões: (1) Levante três hipóteses diagnósticas relacionadas ao quadro neuropsíquico; (2) Qual seria sua conduta inicial diante deste paciente?
     
     CHECKLIST

ESTAÇÃO 3
Enunciado: Local do atendimento - Ambulatório de clínica médica geral
Luiz Alfredo, de 18 anos de idade, masculino, solteiro, estudante universitário, foi atendido no pronto-socorro há 20 dias por intoxicação alcoólica aguda. Como sua mãe acha que ele está com problemas com o álcool, convenceu-o a vir à consulta para fazer uma triagem antes de procurar assistência especificamente voltada para o caso.
INSTRUÇÕES PARA AS RESPOSTAS:
(1)  Pesquise o padrão de consumo de bebida do paciente que está à sua frente e se este apresenta manifestações da síndrome de dependência do álcool. Não precisa anotar aqui: Pergunte diretamente ao paciente.
(2) Diante das respostas do paciente, ele parece ter risco de padrão de uso nocivo do álcool e síndrome de dependência? – Assinale abaixo
(    ) apresenta padrão de uso nocivo do álcool
(    ) apresenta síndrome de dependência do álcool
(   ) não apresenta padrão de uso nocivo do álcool nem síndrome de dependência
(  ) apresenta padrão de uso nocivo do álcool e síndrome de dependência

CHECKLIST
Questão 1: pontuação total = 6,0
Qual a quantidade e frequência de consumo de álcool?
Consome que tipo de bebida alcoólica?
Há quanto tempo consome bebidas alcoólicas?
Você já teve problemas relacionados ao uso de álcool?
Alguma vez sentiu que deveria diminuir a quantidade de bebida ou parar de beber?
As pessoas o aborrecem porque criticam seu modo de beber?
Você se sente culpado (chateado consigo mesmo) pela maneira como costuma beber?
Você costuma beber pela manhã para diminuir o nervosismo ou a ressaca?
Tem bebido sozinho?
Quantas vezes ficou bêbado no último mês?
Tem apresentado tremores nas mãos?
Tem apresentado sudorese, náuseas, vômitos, taquicardia, agitação, cefaleia, insônia, mal-estar ou fraqueza, alucinações, convulsões?
Alguma vez ficou ferido ou alguém ficou ferido por você ter bebido / Já houve algum acidente de carro?
Questão 1: pontuação total = 4,0
Apresenta padrão de uso nocivo do álcool

ESTAÇÃO 4
Enunciado: Uma mulher de 65 anos de idade foi encaminhada da atenção básica onde foi à consulta ambulatorial com queixa de intensa fadiga geral. Ela tem se sentido cada vez mais cansada no último ano, mas há 3 semanas piorou e queixa-se de dores de cabeça. Tem sentido seus pés com pouca sensibilidade e certa dificuldade para andar. Dois meses antes da internação, ela sente ardor na língua e dor ao engolir alimentos - levando-a a diminuição da ingestão e a uma perda de 5 kg, juntamente com o aumento da sensação de fraqueza geral.
Nega antecedentes patológicos pessoais. É professora aposentada e vive sozinha. Sua vizinha a trouxe a este hospital para onde foi referenciada e foi indicada a internação para investigação diagnóstica. Até dois anos atrás, ela era ativa, andando diariamente por uma hora. Nega tabagismo e bebe um cálice de vinho nos fins de semana. Nega uso de medicação regular. A mãe e uma de suas duas irmãs tiveram problemas de tireoide. Ao exame: Mucosas descoradas (+++/4), T=37,8°C, p=96 bpm, regular, PA=142/72 mmHg, FR=17 irpm. Exames cardiovascular, respiratório e de abdome normais; nota-se instabilidade postural e fraqueza simétrica distal afetando braços e pernas, onde se observa também redução da sensibilidade em “luva” e “bota” respectivamente.
Veja fotos a seguir: fácies e inspeção da língua da paciente.

INSTRUÇÕES PARA AS RESPOSTAS: Responda às questões a seguir, anotando abaixo das mesmas.
(1) Apresente suas duas hipóteses diagnósticas principais.
(2) Quais exames você solicitaria para esclarecer suas hipóteses?

  CHECKLIST
Comentários da Profa. Rilva
Esta paciente tem anemia associada a sinais neurológicos por deficiência de vitamina B12 e ácido fólico. Os sintomas cardinais da anemia megaloblástica fazem parte de uma síndrome "neuro-anêmica", que é uma combinação de ataxia postural com síndrome piramidal e palidez acentuada. Há uma história familiar de doença da tireoide na anamnese da paciente, mas a anemia megaloblástica pode se associar a antecedentes patológicos pessoais ou familiares de doença auto-imune, incluindo a tireoidite de Hashimoto. Ou seja, a anemia megaloblástica poderia estar associada a antecedentes familiares de doença tireoidiana. Mesmo assim, a segunda hipótese diagnóstica seria de hipotireoidismo, em virtude da intensa palidez e da facies da pacienteContudo, a facies não é caracteristicamente mixedematosa, a qual apresentaria tipicamente intumescimento difuso (infiltração mixedematosa) do rosto, que se apresenta arredondado, com infiltração palpebral, e a pele do paciente é fria, espessada e áspera, o que não foi descrito na paciente em questão. A febre também poderia estar associada a uma enteropatia inflamatória como uma ileíte regional por Doença de Crohn, que também poderia cursar com anemia megaloblástica.
O hipotireoidismo pode causar a anemia e a macroglossia, mas não explicaria as manifestações neurológicas. A anemia crônicaque causa fadiga, e a palidez cutaneomucosa, presentes na paciente, poderiam ser decorrentes de anemia megaloblástica, mas também de hipotireoidismo. Mas os sintomas gerais da anemia megaloblástica incluem perda de peso e anorexia, manifestações que não ocorrem no hipotireoidismo. Cefaleia e tonturas, além de febre baixa, podem ser explicados pela anemia megaloblástica. A febre baixa pode ocorrer em casos de anemia grave ou moderada. 
Nesta paciente, grave deficiência de vitamina B12 também provocou neuropatia periférica e degeneração subaguda dos tratos posteriores piramidais posteriores da medula espinal, provocando uma perda de sensibilidade e uma maior dificuldade para andar. A neuropatia periférica e o envolvimento do trato piramidal produzem as alterações do equilíbrio postural. A deficiência de vitamina B12 é mais frequentemente de causa gástrica (anemia perniciosa devido a gastrite autoimune atrófica e por gastrectomia total). O supercrescimento bacteriano no intestino delgado destrói o fator intrínseco. Pode-se pensar também, neste caso, na possibilidade de Doença de Crohn.
A glossite – chamada glossite de Hunter –  ardência, dor e aparência vermelha da língua, “língua careca” (perda de papilas, lisa), e a queilite, presentes na paciente, são características da anemia megaloblástica, que resulta da deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico. Chama-se a atenção para o fato de que uma das manifestações clássicas da anemia perniciosa é essa perda de papilas da língua. A associação com outras carências vitamínicas causa também queilite angular. Na deficiência de vitamina B12, contudo, observam-se as alterações neurológicas típicas, que não ocorrem na carência isolada de ácido fólico. 
Observam-se anemia, macrocitose, normocromia e anisocitose no hemograma e no esfregaço do sangue periférico. Na avaliação microscópica do esfregaço sanguíneo também são observados macrócitos ovalados e eritrócitos fragmentados (esquisócitos). A contagem de reticulócitos é baixa e o Índice Reticulocitário Corrigido geralmente está aumentado, indicando anemia hipoproliferativa. No leucograma, podem ser observadas neutropenia e presença de neutrófilos hipersegmentados. A contagem de plaquetas pode estar normal ou diminuída. A vitamina B12 sérica e os níveis de folato devem ser medidos, assim como a pesquisa de anticorpos circulantes contra células parietais gástricas.  A pesquisa de anticorpos contra o fator intrínseco é feita especificamente para a anemia perniciosa, mas os anticorpos só estão presentes em cerca de 50% dos casos. Através de um teste radioativo para verificar a absorção de vitamina B12 (teste de Schilling) distingue-se a deficiência de absorção como causa da deficiência. A forma mais direta e simples, atualmente, de identificar a anemia perniciosa é a realização de endoscopia gástrica alta com biópsia nos pacientes em que se revela uma anemia megaloblástica com baixos níveis de vitamina B12. Se houver sinais de gastrite atrófica, o diagnóstico provável é de anemia perniciosa, e a execução de outros exames somente é necessária se houver dúvidas ou se o quadro for atípico. Muitas vezes existe um leve aumento da bilirrubina sérica dando ao paciente uma aparência "amarelo-limão". 

      Diagnóstico diferencial
        Hipotireoidismo
        Anemia sideroblástica
       Síndromes mielodisplásicas

COMISSÃO DO OSCE-CM
José Luiz Simões Maroja
Leina Yukari Etto
Luiz Fábio Botelho
Rilva Lopes de Sousa Muñoz

Monitores do OSCE-CM (Membros da Liga Paraibana de Clínica Médica - Laclimed)
Melissa Montenegro, Mirella Bezerra, Raiara Vieira (atuaram na organização da entrada dos alunos nas estações e cronometragem do tempo)
João Calvino (atuou como paciente simulado)