(4) O resgate das raízes
da medicina hipocrática pode contribuir para a boa prática médica atual? Por
quê?
Questão
aborda temas das aulas 4 e 12
Sim,
nos seguintes aspectos:
-
A base da semiologia médica atual foi criada na medicina hipocrática:
exploração do corpo (inspeção, palpação e ausculta), conversa com o paciente
(anamnese) e entendimento sobre o problema clínico (raciocínio diagnóstico). Hipócrates
mostrou quão importante era observar e registrar cuidadosamente os sintomas e o
desenvolvimento da doença – aspectos que devem estar presentes na boa prática
médica atual, apesar do grande desenvolvimento tecnológico em termos de exames complementares.
-
A filosofia hipocrática na provisão de cuidados de saúde centrou-se no modelo
holístico de atendimento, aplicando normas éticas que ainda são
válidas hoje. Hipócrates pregou uma base ética para a prática médica e recebeu o crédito pelo juramento que o médico atual faz na sua colação de grau em quase todo o mundo. Os médicos modernos juram através de alguma versão do Juramento de Hipócrates,
o que os obriga a servir aos melhores interesses dos pacientes, com foco na
prevenção e respeito à privacidade pessoal. É a ética profissional e padrões deontológicos que são
respeitados e observados até hoje pelos bons médicos.
-
O médico humanitário de hoje é descendente de Hipócrates, que solidificou a visão
da medicina como sacerdócio, e a visão do médico como aquele que busca o
bem-estar do próximo. É a chamada medicina centrada no paciente, que deve fazer parte da
atuação do médico contemporâneo.
-
Na medicina hipocrática, a atitude do médico perante o paciente baseava-se no
modelo da beneficência e da não-maleficência. Dizia Hipócrates: “Deves ajudar o paciente, ou ao
menos não prejudicá-lo”. O médico atual deve sempre lembrar que seu
dever prioritário é ajudar e não prejudicar o paciente.
- Conexão dos cuidados de saúde com o ambiente: a busca do equilíbrio entre o
homem e seu meio, considerando-se que a relação com o ambiente é um importante
aspecto do diagnóstico e da terapêutica, foi um preceito da medicina
hipocrática. Em seu livro “Dos Ares, Águas e Lugares”, Hipócrates já assinalava
que ingerir alimentos ruins e água ruim causaria doenças, e que a qualidade do
ar influenciava a saúde, e que viver em locais poluídos, com muitos mosquitos,
etc., poderia originar doenças.
-
Atenção ao prognóstico médico: A previsão da evolução do paciente baseada na observação do
desenvolvimento da doença foi um passo importante na história da medicina, realizada por Hipócrates, que ensinava que os médicos deveriam identificar doenças que responderiam ao tratamento e doenças que não responderiam.
- Valorização da alimentação na recuperação do doente: Hipócrates dava muito valor à alimentação no
tratamento. Atribui-se a ele a frase “Seja o teu alimento o teu medicamento e
seja o teu medicamento o teu alimento”.
-
Reconhecimento do potencial efeito lesivo de algumas ações terapêuticas no
processo de cura. Ele condenou o intervencionismo terapêutico exagerado, o que é
importante para o médico atual no sentido de reduzir problemas de
iatrogenia diante do arsenal terapêutico tão extenso e diversificado
disponível hoje.
(5) Quando e como, na História, as primeiras
noções de “contágio” foram conjeturadas?
Questão
aborda temas das aulas 5 e 6
Girolamo
Fracastoro (1475-1553) foi o primeiro a mencionar a noção de “contágio” na
História da Medicina, precisamente no século XVI. Observando as epidemias de
sífilis, peste e tifo, que devastaram a Itália no século XVI, Fracastoro
introduziu sua própria teoria da doença, a teoria do contágio. Portanto, a
teoria de Fracastoro é considerada a primeira declaração da teoria contagiosa
das doenças, três séculos antes das pesquisas de Pasteur e Koch. Na
Antiguidade, a hipótese da contagiosidade de certas enfermidades já tinha sido
registrada pelo historiador grego Tucídides, que mencionou a noção de contágio
na Peste de Atenas em sua obra “A Guerra do Peloponeso” (428 a.C.). Também Athanasius Kircher, um padre jesuíta, que não era médico, dedicava-se a todas as
novidades científicas da época, e escreveu o livro "Pesquisa físico-médica sobre a
doença contagiosa que se chama de peste" em 1658, afirmando que “todo
contágio pressupõe putrefação”. Contudo, a teoria da contagiosidade de Girolamo
Fracastoro transcendeu o tempo e o espaço se constituindo em legado à humanidade.
(6) Como eram, de forma
geral, as práticas de diagnóstico e tratamento médicos à época do Renascimento?
Questão
aborda tema da Aula 5
Os
métodos de diagnóstico durante o Renascimento não foram muito diferentes dos
medievais. Os médicos não tinham ideia de como curar doenças infecciosas. As tentativas
ineficazes no tratamento de doenças incluíam ritos de magia e superstição.
Praticava-se o “toque real”, em que o rei Carlos II tocava as pessoas doentes
na tentativa de curá-las de escrófula (tuberculose ganglionar). Houve
desenvolvimento progressivo da química e da farmácia, unindo as drogas
descobertas no Novo Mundo às informações dos antigos e à alquimia dos árabes,
mas a terapêutica ainda era essencialmente baseada na teoria humoral mediante
sangrias, clisteres e dietas.
(7) Comente a célebre frase “... o laboratório
é o templo da ciência da medicina” contextualizando-a com uma fase importante
do desenvolvimento da Medicina.
Questão
aborda temas das aulas 7 e 10
O
desenvolvimento da patologia e da bacteriologia de base científica, assim como dos serviços
de laboratório clínico no final do século XIX, levou ao desenvolvimento do
diagnóstico e, deste, à busca das causas das doenças. Para Claude Bernard, não
bastava observar um fato, era preciso estudá-lo sob as condições controladas de
um laboratório, e cunhou esta frase de que “... o laboratório é o templo da
ciência da medicina”. Este era o espírito reinante na época, ou seja, no final
do século XIX, com o advento da biologia científica, da patologia celular, da bacteriologia, da radiologia, da pesquisa experimental, passando-se a adotar uma a concepção reducionista do processo
de adoecer (reducionismo mecanicista – a doença era vista como um “defeito na máquina
humana”, ideia característica do Modelo Biomédico de atenção à saúde). Essas novas descobertas, tanto
anatomopatológicas quanto bacteriológicas, terminaram por conferir uma
compreensão unicausal às doenças: pensava-se que a cada doença corresponderia um agente
etiológico, que tinha natureza biológica. No início do século, XX, o paradigma Flexneriano
intensificou esta concepção, quando a doença passou a ser considerada um
processo essencialmente biológico, enquanto as dimensões social, cultural e econômica não eram levadas em conta como fatores implicados no processo de saúde-doença.
(8) Qual foi a notável
contribuição de Ignaz Semmelweis para a teoria microbiana das doenças?
Questão
aborda tema da aula 6
Ignaz
Semmelweis demonstrou a imprescindível necessidade da lavagem das mãos como
medida preventiva de infecções, antes mesmo de Joseph Lister preconizar o uso
de práticas de assepsia e antissepsia em procedimentos cirúrgicos, e também antes
da descoberta dos microrganismos. Semmelweis forneceu o que seria a primeira
evidência de que a limpeza de mãos contaminadas através do uso de um antisséptico reduzia
a transmissão de doenças na assistência à saúde. Este médico vienense gerou muita polêmica na época (século XIX), ao relacionar seus achados
diagnósticos à infecção hospitalar das puérperas (febre puerperal) e, sobretudo quando passou a
defender a antissepsia e lavagem das mãos dos médicos, estudantes e pessoal de
enfermagem antes de eles realizarem partos na maternidade. Após muitos experimentos, Semmelweis escolheu o hipoclorito de cálcio
como desinfetante capaz de remover "venenos cadavéricos" em 1847.
Com a adoção desta medida, a mortalidade materna reduziu significativamente na
maternidade de Viena.
(9) Em que pontos do
Código de Ética Médica há reflexos diretos do chamado Imperativo Categórico de
Kant? Explique.
Questão
aborda temas das aulas 9 e 13
No
Iluminismo, a obra de Immanuel Kant foi a base para a construção da
contemporânea filosofia dos direitos humanos, na forma de Imperativos Categóricos:
(a) o ser humano é o fim em si mesmo, e não o meio; (b) necessidade de haver autonomia do sujeito enquanto ser racional. O chamado imperativo categórico proposto pelo filósofo alemão baseava-se no pressuposto de que toda ação humana, para ser ética, deveria ser assim condicionada: “(...) age de maneira tal que possas também querer que a máxima de teu agir se transforme em Lei universal da natureza (...)”
(a) o ser humano é o fim em si mesmo, e não o meio; (b) necessidade de haver autonomia do sujeito enquanto ser racional. O chamado imperativo categórico proposto pelo filósofo alemão baseava-se no pressuposto de que toda ação humana, para ser ética, deveria ser assim condicionada: “(...) age de maneira tal que possas também querer que a máxima de teu agir se transforme em Lei universal da natureza (...)”
(a) Pessoas com fim e não como meio na medicina e nos processos de desenvolvimento
científico – No Brasil, o Código de Ética Médica trata deste preceito no Artigo
1o., nos seguintes incisos:
✓XXIII - Quando envolvido na produção de
conhecimento científico, o médico agirá com isenção e independência, visando ao
maior benefício para os pacientes e a sociedade.
✓XXIV - Sempre que participar de pesquisas
envolvendo seres humanos ou qualquer animal, o médico respeitará as normas
éticas nacionais, bem como protegerá a vulnerabilidade dos sujeitos da
pesquisa.
✓ XXV - Na aplicação dos conhecimentos
criados pelas novas tecnologias, considerando-se suas repercussões tanto nas
gerações presentes quanto nas futuras, o médico zelará para que as pessoas não
sejam discriminadas por nenhuma razão vinculada a herança genética,
protegendo-as em sua dignidade, identidade e integridade.
(b) Autonomia no atual Código de Ética Médica – Artigos 22 e 24
No
Brasil, o código de ética estabelece uma relação do profissional com seu
paciente, na qual o princípio da autonomia deve ser exercido, ao determinar que
é vedado ao médico efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e
consentimento prévios do paciente ou responsável, salvo em situações de perigo
iminente de vida.
É vedado ao médico:
Art. 22. Deixar
de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após
esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco
iminente de morte.
Art. 24. Deixar
de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua
pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
(10) Poucas pessoas estão
cientes de controvérsias éticas que cercaram a obra de Louis Pasteur. O que
você sabe sobre condutas censuráveis atualmente em relação às pesquisas de
Pasteur?
Questão aborda temas da aula 6
Questão aborda temas da aula 6
As
realizações de Louis Pasteur o classificam como um dos maiores cientistas de
todos os tempos. Ele sempre foi considerado o “pai da teoria microbiana”, apesar
das controvérsias sobre suas descobertas que surgiram principalmente
em um livro publicado em 2002 por Gerald Geison (“A Ciência Particular de Louis
Pasteur”), que tenta uma “desconstrução” do mito pasteuriano, questionando sua integridade
científica. O grande pesquisador francês do século XIX aparentemente mentiu
sobre seus métodos científicos, apropriou-se de uma ideia de um outro cientista
concorrente e realizou um experimento humano que seria considerado antiéticos,
se fosse realizado hoje.
O
professor de História de Princeton, Gerald Geison, um dos principais estudiosos
da obra de Pasteur, descobriu exemplos do que se poderia chamar de má conduta
científica no estudo da vacina contra o antraz em ovinos e na primeira
vacinação de uma criança contra a raiva. Gerald Geison observou que os cadernos
de anotações de Pasteur, tornados públicos após a morte de seu neto, que era
detentor dos registros de bancada do avô, revelaram que este tinha manipulado
dados de pesquisas para ajustá-los às suas próprias hipóteses de investigação. Pasteur
havia instruído sua família para jamais tornar públicas as anotações que fazia
em seu laboratório de pesquisa, um pedido que foi atendido até que os
manuscritos privados foram finalmente entregues à Bibliotheque Nationale em Paris, após a morte de seu último
descendente, o neto Pasteur Vallery-Radot, tornando-se, então, disponíveis para o público no
início dos anos 1970.
Quanto
à vacina contra o antraz, Pasteur parece ter deliberadamente enganado a comunidade
científica sobre a natureza precisa da vacina que ele usou. Outro exemplo de
conduta questionável diz respeito ao primeiro uso humano da vacina contra a
raiva. Em 1885, Joseph Meister, um camponês de nove anos de idade, foi levado à
casa de Pasteur após ter sido picado por um cão que tinha sinais de
raiva. Mesmo sem saber se o menino estava infectado ou não, Pasteur decidiu
administrar sua nova vacina contra a raiva na esperança de salvar a vida do garoto. Joseph Meister sobreviveu e, três meses mais tarde, Pasteur publicou um artigo
relatando que sua vacina contra a raiva havia sido testada em 50 cães sem uma
única falha antes de usá-la para tratar o menino, que sobrevivera. Mas Geison descobriu, através
da leitura dos seus cadernos de anotações de laboratório, que isso não fora
verdade. Pasteur tinha testado uma vacina em cães, mas não tinha sido a mesma usada
em Meister. O método que ele usou no menino consistiu em injeções de doses
sucessivamente mais fortes de vírus da raiva. Esta abordagem estava sendo
testada em cães de laboratório naquele momento em que a experiência humana foi feita, mas Pasteur ainda não tinha resultados conclusivos do experimento nos
animais para mostrar que a técnica realmente funcionava e que era segura em seres humanos. O próprio assistente de Pasteur, o médico Émile Roux se opôs a participar da aplicação da nova vacina no menino por razões éticas.
Por
outro lado, também há menção na literatura a um suposto plagiarismo por parte
de Pasteur em relação ao trabalho de outro pesquisador francês, Antoine
Bechamp, um dos biólogos franceses mais proeminentes daquela época, e que provou
cientificamente a existência dos germes antes de Pasteur. Depois de uma
controvérsia com Béchamp, a teoria de Pasteur acabou ganhando proeminência, após ele
ter adulterado os resultados de Béchamp e publicá-los como se fossem seus, sequer
citando o trabalho do biólogo. Pasteur ficou mais célebre ainda e ganhou o
título de benfeitor da humanidade, enquanto Béchamp foi esquecido pela história.
Imagem: Um médico examinando um frasco de urina trazido por uma jovem. Pintura a óleo atribuída a um seguidor alemão de Gerrit Dou. Wellcome Library no. 47479i
Imagem: Um médico examinando um frasco de urina trazido por uma jovem. Pintura a óleo atribuída a um seguidor alemão de Gerrit Dou. Wellcome Library no. 47479i