Expectativas de resposta para
questões propostas de História da Medicina em 2018.2
1- Em sua origem, a Medicina
Ocidental era uma prática essencialmente humanística. Suas raízes se assentavam
no solo da filosofia da natureza e seu sistema teórico partia de uma visão
holística que entendia o homem como ser dotado de corpo e espírito. Este foi o
modelo, a concepção de médico e de medicina, que se manteve historicamente no
Ocidente durante muito tempo. Quando e como houve rupturas e transformações
nesse paradigma?
A evolução histórica do humanismo na medicina ao longo dos tempos na civilização ocidental passou de
práticas baseadas no conhecimento
filosófico, no solo da filosofia da natureza, e
seu sistema teórico partia de uma visão holística que entendia o homem como ser
dotado de corpo e espírito. Posteriormente, embora baseadas nas teorias médicas herdadas
da Antiguidade greco-romana anteriores ao Cristianismo, as práticas passaram a ser
fortemente influenciadas pela Igreja Católica, correlacionando-se as doenças à
ação de maus espíritos e ao pecado. As observações e experimentações que
levaram ao avanço das ciências foram retomadas apenas no período do
Renascimento, momento de declínio do poder da Igreja, de mudanças sociais e de
passagem para o Capitalismo, mas com retorno ao antropocentrismo. Com a
Revolução Científica, entretanto, o desenvolvimento da anatomia e da fisiologia, com os reflexos do método cartesiano-newtoniano,
levaram ao reducionismo, conduzindo a um modelo de atenção biologista e mecanicista, que se exacerbou no final do
século XIX, com a consolidação da teoria microbiana e da teoria celular. Atualmente, a medicina
ocidental está no meio de uma nova mudança de paradigma, à medida que se busca uma abordagem “holística” novamente, com um modelo integrativo biopsicossocial,
centrado na pessoa, em que o paciente é visto como um todo e participante ativo em seus cuidados de saúde. A medicina de hoje tende a
avançar do curativo para o preventivo, da medicina individual à coletiva, da
ênfase pessoal à ênfase na comunidade, apontando para a necessidade da
humanização no atendimento em saúde.
2- Foi durante o século XIX que
os microrganismos ficaram conhecidos como sendo agentes causadores de doenças,
ou “agentes etiológicos”. Comente dois estudos importantes daquela época que
fortaleceram a teoria microbiana e a derrocada da teoria miasmática.
A transição da teoria miasmática para
a teoria microbiana no final do século XIX e início do século XX foi amplamente
documentada em relatos sobre diversos experimentos, desde a observação de microrganismos
através de modelos rudimentares de microscópio, evidências de contágio, procedimentos para antissepsia,
prevenção de infecção, descoberta dos agentes etiológicos das doenças
infecciosas. Esta foi uma mudança radical na história da compreensão da doença,
tratamento e prevenção, que marcou uma nova era na medicina. Dois estudos que
podem ser citados são os experimentos de Louis Pasteur e os de Robert Koch.
Pasteur, por exemplo, demonstrou, entre outros ensaios, que o crescimento de
microrganismos em caldos de cultura não ocorria por geração espontânea, fervendo
caldo de carne em um frasco especial com o gargalo em forma de S. Por sua vez,
Robert Koch inoculou um rato com sangue de uma ovelha que morreu de antraz e o
animal desenvolveu a infecção.
Diversos outros exemplos podem
ser citados.
3- Segundo alguns pensadores,
quanto mais se ampliam os conhecimentos médicos, maior a insatisfação da população
com os profissionais da medicina. Acusações referentes a erro médico aumentam a
cada ano. Com base na temática das transformações contemporâneas da relação
médico-paciente, sustente a argumentação de que os médicos são o “bode
expiatório” do sistema de saúde ou, ao contrário, que este argumento é uma
falácia lógica.
A resposta poderá variar conforme
a opinião de cada respondente. O que foi considerado na resposta a esta questão foi a coerência e
plausibilidade da argumentação para demonstrar o pensamento.
Pode-se responder que o sistema
de saúde é deficitário, mal gerido, não tem financiamento adequado, prejudicado
pela corrupção sistêmica dos políticos e de empresários ligados a eles, mas que
o médico como membro mais destacado da equipe de saúde sofre das críticas feitas
ao sistema de saúde, no Brasil, Sistema único de Saúde (SUS), muitas vezes
injustamente. Os médicos não querem cometer erros e não querem causar danos,
tampouco querem dizer não aos pacientes, porém geralmente são criticados por
não poderem fazer mais, sendo culpabilizados pelas falhas do sistema como um
todo e pelas más condições de trabalho a que são submetidos. Atualmente tem
ocorrido reações que constituem o que se denomina “medicina defensiva”, pelo medo do médico de ser processado, o que influi
nas tomadas de decisão de pedir mais exames, fazer mais encaminhamentos, ou
prescrever medicamentos. Por outro lado, culpabilizar o médico é improfícuo, e a
maioria dos profissionais de saúde, em uma mesma situação, cometeria os mesmos
erros e que talvez a situação, e não o profissional, seja o responsável.
O médico é o profissional que vivencia
mais intensamente os problemas dos serviços de saúde, onde atende a um elevado
número de pacientes, sem receber remuneração condizente com seu encargo e sem possuir
condições para exercer a sua profissão com a qualidade a população requer, por falta de recursos técnicos dessas unidades e pela lotação desses
espaços. Recentemente, os médicos também têm sido vítimas de agressões por
parte de usuários do sistema de saúde e de seus familiares enquanto no exercício
da profissão.
Os
médicos têm sobrecarga de trabalho e são pressionados a ter múltiplos vínculos
laborativos, perdendo sua posição de profissional liberal e passando a ser
assalariados em um processo progressivo de precarização do trabalho médico.
As soluções determinadas pelos
últimos governos incluíram criar indiscriminadamente novos cursos de medicina para
expandir o número de vagas nas faculdades, tornando o Brasil o primeiro em
número de escolas médicas, a maioria particulares, mas sem a devida qualidade
de ensino e treinamento, o que apenas intensifica os problemas.
Por outro lado, nesta questão
proposta, se pode responder que os médicos têm se envolvido mais frequentemente
com erros diagnósticos ou complicações de procedimentos por negligência e inaptidão,
a partir de uma formação médica de má qualidade. Também ocorrem muitos erros
relacionados à deficiente comunicação e às dificuldades de habilidades sociais
dos médicos. Além disso, médicos em geral têm uma visão reducionista e fragmentada do ser humano, não se
interessando por abordagens centradas na pessoa do doente e em carreiras
voltadas à atenção primária à saúde. O médico se beneficiaria da hegemonia de
classe no sistema capitalista, por geralmente fazer parte ou se identificar com a categoria elitista, e não se dedica
ao conhecimento das necessidades sociais da população.
O saber e a prática médica então plasmados na sociedade como uma tática de institucionalização, de dominação e hegemonia sobre os demais profissionais de saúde e, portanto, sendo considerados os sujeitos dominantes desse campo, são responsabilizados/culpabilizados de forma correspondente a esta posição na grande área da saúde. Nesse sentido, há um sentimento de onipotência e onisciência por parte dos médicos, que além de não se darem conta de suas limitações, muitas vezes atuam de forma arrogante, afastando a imagem respeitada de outros tempos.
É pertinente argumentar também que muitos médicos negligenciam suas condutas com os pacientes utilizando-se de desculpas como más condições de trabalho e até má remuneração, esquecendo preceitos morais e éticos essenciais no cuidado.
O saber e a prática médica então plasmados na sociedade como uma tática de institucionalização, de dominação e hegemonia sobre os demais profissionais de saúde e, portanto, sendo considerados os sujeitos dominantes desse campo, são responsabilizados/culpabilizados de forma correspondente a esta posição na grande área da saúde. Nesse sentido, há um sentimento de onipotência e onisciência por parte dos médicos, que além de não se darem conta de suas limitações, muitas vezes atuam de forma arrogante, afastando a imagem respeitada de outros tempos.
É pertinente argumentar também que muitos médicos negligenciam suas condutas com os pacientes utilizando-se de desculpas como más condições de trabalho e até má remuneração, esquecendo preceitos morais e éticos essenciais no cuidado.
4- Uma das máximas de Michael
Balint diz: “O remédio mais usado em Medicina é o próprio médico, o qual, como
os demais medicamentos, precisa ser conhecido em sua posologia, reações
colaterais e toxicidade”. Comente esta assertiva e o contexto histórico em que
foi colocada.
Esta é uma famosa frase em
medicina. O conceito do uso do médico como medicamento, do médico Michael
Balint, em meados no século XX, ocorreu quando o modelo biomédico começava a
apresentar sinais de crise, e ele teve a ideia de ajudar os médicos a se comportarem
de modo mais sensível na relação com seus pacientes. Balint foi o primeiro a
explorar a subjetividade na relação médico-paciente no contexto da prática clínica
geral, em que essa relação permanece central, apesar das enormes mudanças
sociais e políticas que afetaram a prestação de cuidados de saúde no século XX.
Neste conceito, Balint contribuiu para uma compreensão mais ampla da
importância da personalidade do médico, seus sentimentos e reações, como uma
ferramenta de diagnóstico e tratamento. Contudo, as atitudes do médico poderão
ser terapêuticas ou não, e produzirem configurações benéficas ou maléficas no
curso do adoecer. Ele acreditava que o médico é sempre, em maior ou menor grau,
“iatrogênico” e que deve ter este fato em mente ao tratar o paciente. Balint
considerou também que o tratamento não devia visar somente ao paciente, mas além
disso, ao relacionamento formado.
5- Comente a seguinte assertiva
de Jacques Le Goff aplicando-a à história da medicina na Idade Média: “O século
XIII é o século das universidades porque é o século das corporações”.
Fruto da intensificação da vida
urbana, as Universidades tiveram como ponto de partida uma estrutura análoga
às corporações de ofício (chamadas de universitas).
Até século XII o ensino era monopolizado pela igreja. Aos poucos, este poder passou
a ser delegado a cidadãos leigos.
As primeiras universidades se desenvolveram na Itália na Baixa Idade Média.
Estes foram em Salerno no decurso do nono século e Bolonha no século XI. A de
Salerno foi a mais antiga escola médica da civilização moderna. Estas universidades começaram como guildas escolásticas e se desenvolveram em
analogia com as guildas de comerciantes que surgiram nos séculos XIII e XIV na
maioria das grandes cidades europeias. Foi a partir da Escola de Salerno, no
final dos anos 1260, que ocorreu a institucionalização do ensino médico no
contexto universitário e as corporações acadêmicas de artes e medicina
começaram a se formar.
Imagem: Gravura de Matthaeus Merian, 1646. Um farmacêutico oferecendo um remédio para um homem doente na cama, enquanto um cirurgião, supervisionado por um médico, amputa a perna do paciente sentado.