21 de abril de 2020
12 de abril de 2020
A Distorção Ideológica dos Conceitos de Razão, Liberdade e Autonomia
Texto de Marcelo Ferreira Caixeta, médico psiquiatra, especialista
em psiquiatria da infância e adolescência pela Universidade de Paris, pós-graduado
em psiquiatria infantil pela USP, psiquiatra forense pela Associação Médica
Brasileira/Associação Brasileira de Psiquiatria
Reproduzido e publicado neste blog com permissão do autor, a partir de sua página do Facebook; o título da presente postagem foi adicionado por esta weblog-editora (link da versão original a seguir) -
Como o "Cristianismo",
Kant, Rousseau, os Iluministas e a Revolução Francesa nos jogaram nos braços do
Esquerdismo-Totalitarismo- Estatismo?
(1) As regras morais têm base no
que é útil, no que é bom ou no que é justo? Razão e emoção jogam que papel na
determinação da moral?
O filósofo alemão do século XVIII,
Immanuel Kant, estudou exaustivamente esse problema (conforme seus livros “Crítica
da Razão Pura” - Ed. 70; “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” - Ed.
Claret; “Metafísica dos Costumes” - Ed. PubliFolha).
Como já vimos nos nossos livros "Psiquiatria das Condutas Imorais"
- Ed. Sparta; Psiquiatria Forense da Consciência Moral - Ed. Sparta), Kant
conclui que a Moral tem de ser uma Lei Racional, isto é, não dependente das
coisas práticas/empíricas da vida, ou seja, não dependente do que é
útil, nem do que é belo, nem do que é agradável, isto é, não pode depender do
que é experimentado, do que é vivenciado, mas sim do que é raciocinado, sim,
daquilo que nossa vontade racional nos manda fazer (Imperativo Categórico: que
seus atos possam ser uma Lei Universal).
Podemos nos perguntar: por que
Kant tem tanta necessidade de que a Moral não seja algo derivado do que é
sensível-emocional-vivenciado-experienciado-útil-agradável? Há vários níveis de
resposta para a pergunta acima, que tentaremos deslindar a seguir.
(2) Em primeiro lugar, Kant pensa
que todos nós temos uma consciência moral inata dentro de nós, uma Lei Moral
que não sabemos de onde vem. É uma Lei que está sempre a julgar nossos atos,
impedindo-nos de prejudicar alguém (Ver o caráter inato dessa
instância moral em nossos livros "Psiquiatria das Condutas Imorais" [Ed.
Sparta] e Psiquiatria Forense da Consciência Moral [Ed. Sparta]). De fato, lá
pudemos ver e investigar que há, sim, uma tendência inata dos indivíduos para se
comportarem de acordo com um maior ou menor grau de moralidade, mostramos que
essas tendências, apesar de racionalizadas no atualmente têm, no seu
passado, uma base emocional-prazerosa em suas origens.
Essa base emocional da Moral
perde-se na linha do tempo, e o indivíduo não tem mais noção dela, olhando para
dentro de si e achando que sua moral tem uma origem puramente racional-inata.
(3) Mas Kant não tem só essa base
empírica (“olhar para dentro e ver uma moral inata dentro de si”) para
considerar a moral como algo primário, algo não baseado nas emoções e na
experiência. Ele tem outros motivos, mas não os julga ou não os propala
conscientemente. Vamos estudar a seguir dois outros desses motivos: (3.a) um
motivo ansioso-obsessivo e (3.b) um motivo estético-intelectivo.
Kant tem uma necessidade
premente, pervasiva, de retirar a Moral do campo empírico-utilitário-emocional
e colocá-lo no campo do racional, do absoluto, do volitivo, do necessário, do
não-contingente, do não-temporal. Kant não tem uma consciência muito explícita
dessa necessidade.
(3.a) Kant nitidamente é um
indivíduo com uma estrutura obsessiva do pensamento. Nesta estrutura obsessiva, o
controle racional é muito importante: o controle e a ansiedade "pensando
lá na frente", controlando racionalmente as variáveis que podem
"causar problemas no futuro". A obsessividade não é algo
primariamente patológico. A natureza dotou nosso cérebro com mecanismos
naturalmente obsessivos para que possamos acompanhar e prever o que vai
acontecer no Universo. Quando podemos prever, podemos prevenir, é assim que
"pensa a Natureza". Muitos de nossos comportamentos racionais-morais
têm como base a prevenção de "coisas ruins", que podem ocorrer no
futuro ("não vou largar minha esposa por outra mais nova porque não quero
vê-la sofrer, não quero sentir falta dela, não quero ficar sem ver e conviver
com meus filhos", etc).
Temos em nosso cérebro um
mecanismo ansioso-obsessivo que nos capacita e nos induz a
"acompanharmos o Universo" para onde o Universo caminha e evolui.
Esse aparelho mental ansioso-obsessivo não deixa de ser racional, pois não vive
aquelas situações de modo prático-empírico, vive-as apenas virtualmente-racionalmente.
Esse aparelho apenas racionaliza-previne o que vai acontecer; nesse sentido, é
algo "teórico". Kant é muito obsessivo, é muito teórico, e tem muito
gosto nisso, muito gosto na simetria, rigor e regularidade do que acontece e
vai acontecer no Universo. Ele é contra empirismos relativistas, daí seu gosto pela
normatização absoluta, um modo de se aferrar ao conceito de Verdade, de ir contra
a "relatividade moral".
(3.b) Há um gosto estético e um
prazer em racionalizar-obsessionar as coisas. Dá uma sensação de domínio,
controle; dá uma sensação de que estamos "trabalhando" sobre o
futuro, uma sensação de que estamos construindo algo racionalmente dentro do
Universo, uma sensação de potência, de plenitude, de segurança, e até de
aconchego no meio do "seio de Deus", a sensação de estar "fazendo
a coisa certa", "trilhando o rumo seguro e certo".
Quando controlamos com a razão, a
segurança que sentimos é bem maior do que quando somos impelidos pela emoção;
isso é um dos motivos pelos quais Kant quer tirar a moral da emoção e passá-la
para os braços da razão. Planejar racionalmente aumenta muito mais a força do
espírito do que nos deixarmos guiar por reações emocionais; dá a sensação de
que o espírito está no controle. Dá a sensação de que estamos trabalhando
ativamente na construção de nossa existência, e não apenas "sofrendo essa
existência" de modo passivo e emocional. Kant não é um artista-emocional,
é um racionalista-filósofo, e tem muito gosto nessa racionalidade ("instinto
laboral").
(4) Na construção de seu sistema
filosófico, Kant precisa de causas racionais, não de causas
empíricas-emocionais. Seu sistema, desde a "Crítica da Razão Pura", é como um
edifício sólido, no qual não pode haver "furos não-racionais". Com a "Fundamentação da Metafísica dos Costumes", com a "Crítica da Razão Prática", Kant
liga a racionalidade à vontade/volição. Desta forma ele ganha para si dois dos
três "gigantes da alma" (razão, volição, emoção). Ele mostra que a
Moral é uma vontade dirigida pela razão. Esta razão é baseada em "Leis
Morais", não em vivências emocionais-experienciais-empíricas. Para Kant,
as Leis Morais são prescritas pela nossa própria razão, com base em tendências
morais inatas que trazemos em nós. Kant não explica como e de onde surgem essas
tendências/Leis Morais dentro de nossa alma. Apenas relata , muito timidamente/brevemente,
que são inatas , conforme se vê na “Metafísica dos Costumes” (Ed. Publifolha) e
na "Crítica da Razão Prática" (Ed. 70). O problema é que , quando o homem não
cria suas leis, apenas obedece leis morais já existentes dentro de si, ele
passa a ter uma posição passiva de novo, algo que Kant não quer. E, com as
ideias inatas, voltamos a ser vítimas do inexplicável e do irracional.
(5) Não há como fugir da
emocionalidade na prática da Lei Moral (sobre detalhes mais profundos sobre
isso, ver nosso livro "Psiquiatria Forense da Consciência Moral", Ed.
Sparta). Até para querer o bem dos outros precisamos da emoção: temos dentro de
nós um instinto gregário/altruísta/especular que nos faz ficar alegres quando
fazemos os outros alegres. Refletir "especularmente" a alegria dos
outros nos torna mais felizes. Portanto, agir para o bem dos outros não é algo
assim tão racional como Kant quer fazer crer. Para Kant, temos de querer o bem
dos outros porque tudo que queremos para nós, nós temos de querer para os
outros. A causa disso é a Lei da Liberdade/Autonomia do espírito: só num mundo
onde todos têm direitos iguais pode haver Liberdade, e só onde há liberdade o
espírito pode ter autonomia; e só onde o espírito tem autonomia ele pode
realizar-se na plenitude de suas evoluções. E só realizando-se a si mesmo é que
o espírito pode fugir do determinismo físico-biológico-material. Para Kant,
só a fuga do determinismo físico-biológico-material consegue explicar nosso
gosto pela liberdade, nossa capacidade moral de agirmos contra nossos próprios
instintos, nossa capacidade de agirmos contra nossa própria biologia.
Kant comete aqui vários erros, que
veremos a seguir:
(5.a) O "erro" de
considerar "todos iguais" - quando, na verdade, não somos todos
iguais - isso deu origem a sistemas políticos esquerdistas degenerados em
totalitarismos de igualdade, e tais sistemas tentam anular as liberdades
individuais, levando ao oposto daquilo que Kant queria, ou seja, a plena
autonomia/liberdade do indivíduo.
(5.b) Somos, de fato, determinados
pela biologia, como se mostra com a origem emocional-prazerosa da Moral (ver
sobre isso nosso livro "Psiquiatria Forense da Consciência Moral",
Ed. Sparta).
(5.c) Nossa liberdade é relativa.
Só temos a liberdade de fazer aquilo que segue as Leis do Universo. Quando
nossa liberdade individual nos leva a não fazermos o que está pré-determinado
na Leis Evolutivas do Universo, nós estagnamos e sofremos.
(5.d) As Leis do Universo apontam
no sentido da evolução e da complexificação. Se não sairmos de nós mesmos (egoísmo),
em direção ao outro (altruísmo ), nós não nos complexificamos. Portanto, mais
cedo ou mais tarde, somos "obrigados" a amar, algo que está no âmbito
da moralidade (querer aos outros o que queremos a nós mesmos). E se somos
"obrigados a amar", isto está fora da Liberdade, está fora da
Autonomia, está no âmbito do determinismo.
(5.e) A "liberdade"
pode ser interpretada em dois sentidos: a liberdade do "ego" (instância
psíquica mais evoluída) e a liberdade do "id" (instância psíquica
mais primitiva ), conforme Freud.
São duas liberdades diferentes: o
ego quer o fortalecimento do espírito, rege-se pelo princípio do gosto pela
eficiência, gosto pela realização. Já o "id" quer o prazer, rege-se
pelo "princípio do prazer". Um (o ego) quer a liberdade de criar,
realizar, construir; o outro (o id) quer a liberdade do prazer. Ambos são
opostos, a liberdade do prazer cria a prisão da alma. São duas liberdades que
não podem ser confundidas. A "liberdade do ego", na verdade, é uma
prisão para o id: não deixa que este realize seus prazeres que prejudicam os
outros ou a si mesmo (o seu próprio corpo ou sua própria vida). A
"liberdade de criar", "liberdade de perseverar no próprio
eu" (ver Espinosa), liberdade de moldar o próprio rumo, liberdade da
autonomia, também tem suas bases biológicas, não é algo "suprassensível",
como Kant gostava de dizer. A liberdade é, portanto, biologicamente determinada, ao
contrário do que dizia Kant.
(6) Quando os iluministas, Kant e Rousseau, assim como quando a Revolução Francesa colocaram a liberdade autônoma como base do
sentimento de dignidade humana, não sabiam que estavam induzindo, com a
"igualdade", sistemas políticos de Esquerda (esquerdismo) que iriam redundar
exatamente no contrário disso: perdas das liberdades individuais. "Forçar
a igualdade" produziu os horrores do comunismo; tratar como iguais a
todos, sendo células de um corpo estatal, levou aos terrores do totalitarismo.
Kant criou normas/leis extra biológicas-suprassensíveis, Liberdade e Autonomia que, sendo interpretadas e usadas de forma equivocada, levaram a desastres políticos. A "igualdade"
leva à uma diluição da Lei Moral, pois a igualdade é colegiada, não segue um
princípio único. Decisões colegiadas passam a julgar a moralidade. Pessoas que
têm gosto pelo colegiado, não pelo trabalho (políticos), dominam o sistema
político, distorcem as normas morais, cria-se uma "moral relativística do
que é votado".
Normas extra biológicas criaram a
falsa ilusão de que "medidas racionais" podem bem dirigir os homens.
E isso é bem aproveitado por homens que querem dirigir outros homens (mais do
que trabalhar e construir). Eles se aproveitam dessa justificativa kantiana para
justificarem moralmente a obediência a normas suprassensíveis, extra biológicas:
obedecer a um Estado que simboliza, consubstancia, tudo isso. Passa-se à falsa
ideia de liberdade/autonomia levada a cabo pela equalização que o Estado faz
dos cidadãos.
Ideias que têm pretensa base ou
força moral são muito poderosas. A distorção kantiana nos faz esquecer o básico:
somos biologicamente todos muito diferentes.
(7) A errada - mas moralmente
chamativa - noção iluminista/kantiana de liberdade/autonomia juntou-se ao
"igualitarismo cristão" (“nossos irmãos e iguais perante Deus")
para fortalecer o estatismo/esquerdismo. É claro, como sempre, que isso acaba por fortalecer
os indivíduos ávidos de poder (políticos), que se aproveitaram disso mais uma
vez.
É claro que tudo isso tinha
também outras justificativas menos filosóficas: a "burguesia"
precisava trabalhar (liberdade) sem as amarras dos poderosos, nobres, déspotas,
reis, indivíduos autoritários e fortes. A busca filosófica da
liberdade/autonomia veio a calhar nesse momento.
(8) Mesmo com regimes
totalitários, ou sob capitalismo selvagem, é possível ao indivíduo exercer sua
"liberdade de evoluir": é porque essa liberdade não depende da
economia ou leis, coisas externas, que não atingem o âmago da alma do
indivíduo. É nesse âmago que se trava a verdadeira batalha pela liberdade, que
é a batalha pela libertação do ego em relação ao id. O eu evoluído, ou o
"eu secundário", o eu moral, libertando-se do eu
primitivo-instintivo-prazeroso. Isso é uma batalha interna, não externa. Leis,
Estado, Economia, não atingem diretamente essas instâncias internas. É claro um
Estado libertário, não-despótico, ajuda nesse processo, não querendo moldar a
moral individual, não querendo interferir na liberdade do indivíduo, liberdade
tanto para pecar (involuir, estagnar) quanto para se santificar (evoluir).
O problema é que todo Estado
interfere nisso, até aqueles pretensamente libertários: um Estado que tem
sucesso em ser libertário é raríssimo, porque todas as realizações do Estado,
até em tentar diminuir-se, só fazem aumentá-lo. É um paradoxo: o Estado que
fala em se diminuir, se tiver sucesso, está é aumentando o seu poder; e
se tiver fracasso, também estará é aumentando o poder do Estado. Um governante que tem
sucesso em diminuir o Estado quer continuar tendo sucesso à frente desse Estado,
e aí, com essas manobras políticas, só faz aumentar o poder do Estado, gerando
o paradoxo.
A única solução é a da Sociedade
Civil lutar todo o tempo para diminuir o Estado, diminuir a ação do Estado
quando este interfere pejorativamente na capacidade de o indivíduo ser autônomo
em suas decisões e iniciativas.
(9) A única função que sobraria
para o Estado, dentro dessa concepção acima, seria aquela da "prender os
indivíduos que perturbam a liberdade/autonomia dos outros indivíduos
evoluírem". Mesmo assim, mesmo nessa área, a própria Sociedade Civil disso
também poderia se encarregar, com milícias próprias e presídios/hospitais
psiquiátricos de custódia geridos/mantidos pela própria iniciativa privada.
Economia, saúde, educação, segurança
etc., tudo poderia ser muito bem gerido pela sociedade civil, sem o
atravessamento do Estado.
Mas isso só se dará com um
gradativo e contínuo processo, não com um golpe de misericórdia. A luta contra
a diminuição do Estado tem de ser geral e contínua, em todos os setores da vida
civil. Só assim o indivíduo poderá ser verdadeiramente livre para evoluir ou
involuir (estagnar) como assim o desejar. Fora disso o Estado estará sempre no
intuito de interferir e ferir as liberdades individuais. Mesmo os Estados que
se dizem "libertários", como mostramos anteriormente, não fugirão dessa armadilha para a
liberdade real do indivíduo.
(10) É algo mais ou menos do tipo: os
"muito competentes" cuidam de si, apesar do Estado; os
"competentes" são” incompetentizados” pelo Estado; e os
verdadeiramente "incompetentes" seriam ajudados pelos outros dois
tipos se não fosse o Estado.
Imagem: Pinterest
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11 de abril de 2020
Estratégias de Ventilação Mecânica para Doentes com Covid-19
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Vídeo instrucional com a Profa. Eliáuria Martins, médica pneumologista e intensivista, professora de Semiologia Médica da UFPB, sobre a Covid-19
10 de abril de 2020
História em Saúde Pública e Grandes Epidemias - Parte 2
História em Saúde Pública e
Grandes Epidemias - Parte 2
Esta é a segunda parte da
apresentação sob a forma de videoaulas intituladas "História em Saúde Pública
e Grandes Epidemias".
No primeiro vídeo, ou Parte 1,
foi abordada a importância da História da Saúde Pública e seus aspectos conceituais de uma
perspectiva histórica. A ideia era também incluir noções sobre a origem e
evolução de medidas de SP ao longo do tempo, mas vou adicionar este tópico ao
presente vídeo, no qual serão abordados também fatores moldaram os modernos
sistemas de saúde pública. Então, no terceiro vídeo, serão enfocadas as grandes
epidemias da história.
A evolução da saúde pública é um
processo contínuo; os patógenos mudam, assim como o ambiente e o hospedeiro.
Para enfrentar os desafios futuros, é importante entender o passado. Embora
haja muita coisa nova nesta era, muitos dos debates e argumentos atuais em
saúde pública são ecos do passado.
8 de abril de 2020
Barreiras de Acessibilidade para Usuários com Deficiências em Hospitais
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