O contexto desse vídeo apresentado no presente artigo está no
escopo da relação médico-paciente para redução da desigualdade na atenção à
saúde de grupos socialmente vulneráveis. Essa questão é considerada um
desafio para os profissionais de cuidados de saúde, bem como para as
organizações de saúde. Esses profissionais podem contribuir muito para criar um
ambiente acolhedor e mais acessível para pessoas vulneráveis.
Contudo, não há conteúdos e práticas curriculares nos cursos
de graduação em saúde voltados para a medicina da pobreza: ninguém ensina a arte de
tomar decisões médicas em condições de extrema pobreza e/ou no contexto de grandes
restrições culturais. A prática médica em uma comunidade de pessoas pobres
muitas vezes parece uma especialidade solitária, sem pesquisa ou experiências
compartilhadas (FRANK, 2004).
A vulnerabilidade é complexa, envolvendo fatores materiais,
sociais, físicos e psicológicos. A
vulnerabilidade social pode ser um fator de risco para problemas de saúde, mas
depende da fonte de vulnerabilidade e é específica de cada condição. Indivíduos
e populações vulneráveis não estão necessariamente doentes do ponto de vista
nosológico. Em vez
disso, são caracterizados pela falta de capacidade de
antecipar, resistir ou se recuperar de crises ou doenças. Isso pode estar
associado a uma série de fatores, como fisiologia, hábitos de vida, alimentação
e nutrição, condições precárias de moradia e emprego, baixa educação em saúde e
de uso de cuidados preventivos de saúde, violência, escassa participação
social, pobreza geracional, baixa renda e nível de instrução desfavorável.
A magnitude da vulnerabilidade (principalmente devido à
privação socioeconômica) influencia não apenas a quantidade de doenças de que
as pessoas sofrem, mas os tipos de doenças e a idade em que as vivenciam. As
pessoas nas comunidades mais carentes sofrem de mais problemas de saúde
incapacitantes, mais problemas de saúde mental e mais problemas de saúde social
(como solidão que é mais prejudicial do que fumar ou obesidade) e o faz 10-15
anos antes que as pessoas nas comunidades menos carentes. Os problemas são
agravados por baixo nível de educação em saúde. Mesmo que morram até 20 anos
mais cedo que as pessoas nas comunidades mais ricas, os mais desfavorecidos
ainda passam mais anos com problemas de saúde do que as pessoas mais ricas que
vivem mais (SAMUEL, 2016).
O conceito polissêmico de vulnerabilidade vem sendo utilizado
por distintas disciplinas e áreas de conhecimento. Na literatura, a
vulnerabilidade é descrita tanto de uma perspectiva de risco quanto de uma
perspectiva subjetiva (ANGEL; VATNE, 2017). Isso implica que a dimensão objetiva
da vulnerabilidade do paciente não reflete necessariamente a percepção do
próprio paciente de ser vulnerável. No entanto, o julgamento externo pode
influenciar a percepção interna.
Conforme Beltrão et al. (2014), a vulnerabilidade está em
todos e em cada um de nós, como seres humanos, pois não há seres humanos
considerados invulneráveis. Contudo, no sentido da proteção dos direitos
humanos, a noção de vulnerabilidade está relacionada à de desigualdade social.
Vulneráveis, no contexto referido, são pessoas quem apresentam redução de suas
capacidades de enfrentar as eventuais violações de direitos humanos
fundamentais. Tal vulnerabilidade está conexa a uma condição que faz parte de
um grupo específico em condições de desigualdade social em relação ao grupo considerado
majoritário.
Portanto, nesse sentido, vulnerabilidade se refere a dadas
condições desfavoráveis, remetendo às dimensões objetivas de exclusão social. “Estar
em vulnerabilidade social se expressa pela alteração ou diminuição da
potencialidade de resposta frente às situações de risco ou constrangimento da
vida” (PAULON; ROMAGNOLI, 2018, p. 179). Como afirmam as referidas autoras, quanto
mais vulnerável for um grupo (indivíduos, famílias, grupos, comunidades), mais
ele corre riscos que afetam o seu bem estar e a sua saúde. As situações de
vulnerabilidade social tendem a se converter em conjunturas de risco, ou “populações em
situação de risco”.
No âmbito da saúde, a vulnerabilidade do paciente é uma
questão fundamental, visando à sua proteção de danos. Uma definição de vulnerabilidade do paciente captura
a complexidade da vulnerabilidade objetiva versus subjetiva. Na perspectiva da
vulnerabilidade em geral, a vulnerabilidade nos serviços de saúde mostra como a
dependência que pode aumentar o risco do paciente. Assim, a dependência se soma
à vulnerabilidade relacionada às questões de saúde (ANGEL; VATNE, 2017).
De modo geral, consideram-se os adultos vulneráveis se forem
permanentemente ou temporariamente incapazes de cuidar de si mesmos e de seus
interesses, seja por uma causa mental ou física.
Adultos vulneráveis estão abertos a riscos de danos psicológicos e físicos ou
de serem explorados em benefício de outras
pessoas: pessoas idosas que são física ou mentalmente frágeis; pessoas com déficit
cognitivo, pessoas com problemas de saúde mental, pessoas que estão doentes e
precisam de ajuda para realizar as funções diárias normais, pessoas com
deficiência física, pessoas que sofreram um trauma recente - luto, divórcio ou
perda de um emprego, por exemplo, e ainda pessoas que, por qualquer motivo,
estão em relacionamentos abusivos ou pessoas sem teto. Contudo, é importante
ter cautela ao se aplicarem “rótulos” de “vulneráveis” às pessoas.
Também é preciso reconhecer que ser vulnerável não é
necessariamente um estado permanente ou de longo prazo. A vulnerabilidade à
doença pode não ser uma característica permanente de um indivíduo. Pessoas que estão
hospitalizadas para cirurgias, por exemplo, estão muito vulneráveis imediatamente
antes, durante e depois da operação, quando
não são capazes
de cuidar de si mesmas e dependem da equipe de saúde para protegê-las e
garantir seu bem-estar. Mas na grande maioria dos casos elas logo serão
completamente independentes de novo.
Contudo, a vulnerabilidade social predispõe a ciclos viciosos
de causa e efeito - o abuso e a privação aumentam os riscos de envolvimento com
drogas e crimes, o que leva à prisão e ao desemprego, o que, por sua vez,
conduzem a mais privação e assim por diante.
Referências
Angel S, Vatne S. Vulnerability in patients and nurses and the
mutual vulnerability in the patient-nurse relationship. J Clin Nurs. 2017;26(9-10):1428-1437.
Beltrão JF et al. (coord.). Direitos humanos dos grupos
vulneráveis: manual. [S.l.]: DHES, 2014. Disponível em:
http://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle/prefix/511
Frank AW. The Renewal of Generosity – Illness, Medicine, and
How to Live. Chicago: University of Chicago Press, 2004.
Paulon SM, Romagnoli R. Quando a vulnerabilidade se faz
potência Simone Mainieri Paulon Roberta Romagnoli. Interação em Psicologia
2018; 22 (3): 178-187
Samuel S. GPs and vulnerable populations. The Royal Australian College of General Practitioners 2016; 45 (10): 697.