10 de dezembro de 2020

COMPORTAMENTO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM CONSULTAS COM PACIENTES SOCIALMENTE VULNERABILIZADOS

O contexto desse vídeo apresentado no presente artigo está no escopo da relação médico-paciente para redução da desigualdade na atenção à saúde de grupos socialmente vulneráveis. Essa questão é considerada um desafio para os profissionais de cuidados de saúde, bem como para as organizações de saúde. Esses profissionais podem contribuir muito para criar um ambiente acolhedor e mais acessível para pessoas vulneráveis.

Contudo, não há conteúdos e práticas curriculares nos cursos de graduação em saúde voltados para a medicina da pobreza: ninguém ensina a arte de tomar decisões médicas em condições de extrema pobreza e/ou no contexto de grandes restrições culturais. A prática médica em uma comunidade de pessoas pobres muitas vezes parece uma especialidade solitária, sem pesquisa ou experiências compartilhadas (FRANK, 2004).

A vulnerabilidade é complexa, envolvendo fatores materiais, sociais, físicos e psicológicos.  A vulnerabilidade social pode ser um fator de risco para problemas de saúde, mas depende da fonte de vulnerabilidade e é específica de cada condição. Indivíduos e populações vulneráveis ​​não estão necessariamente doentes do ponto de vista nosológico. Em vez disso, são caracterizados pela falta de capacidade de antecipar, resistir ou se recuperar de crises ou doenças. Isso pode estar associado a uma série de fatores, como fisiologia, hábitos de vida, alimentação e nutrição, condições precárias de moradia e emprego, baixa educação em saúde e de uso de cuidados preventivos de saúde, violência, escassa participação social, pobreza geracional, baixa renda e nível de instrução desfavorável. 

A magnitude da vulnerabilidade (principalmente devido à privação socioeconômica) influencia não apenas a quantidade de doenças de que as pessoas sofrem, mas os tipos de doenças e a idade em que as vivenciam. As pessoas nas comunidades mais carentes sofrem de mais problemas de saúde incapacitantes, mais problemas de saúde mental e mais problemas de saúde social (como solidão que é mais prejudicial do que fumar ou obesidade) e o faz 10-15 anos antes que as pessoas nas comunidades menos carentes. Os problemas são agravados por baixo nível de educação em saúde. Mesmo que morram até 20 anos mais cedo que as pessoas nas comunidades mais ricas, os mais desfavorecidos ainda passam mais anos com problemas de saúde do que as pessoas mais ricas que vivem mais (SAMUEL, 2016).

O conceito polissêmico de vulnerabilidade vem sendo utilizado por distintas disciplinas e áreas de conhecimento. Na literatura, a vulnerabilidade é descrita tanto de uma perspectiva de risco quanto de uma perspectiva subjetiva (ANGEL; VATNE, 2017). Isso implica que a dimensão objetiva da vulnerabilidade do paciente não reflete necessariamente a percepção do próprio paciente de ser vulnerável. No entanto, o julgamento externo pode influenciar a percepção interna.

Conforme Beltrão et al. (2014), a vulnerabilidade está em todos e em cada um de nós, como seres humanos, pois não há seres humanos considerados invulneráveis. Contudo, no sentido da proteção dos direitos humanos, a noção de vulnerabilidade está relacionada à de desigualdade social. Vulneráveis, no contexto referido, são pessoas quem apresentam redução de suas capacidades de enfrentar as eventuais violações de direitos humanos fundamentais. Tal vulnerabilidade está conexa a uma condição que faz parte de um grupo específico em condições de desigualdade social em relação ao grupo considerado majoritário.

Portanto, nesse sentido, vulnerabilidade se refere a dadas condições desfavoráveis, remetendo às dimensões objetivas de exclusão social. “Estar em vulnerabilidade social se expressa pela alteração ou diminuição da potencialidade de resposta frente às situações de risco ou constrangimento da vida” (PAULON; ROMAGNOLI, 2018, p. 179). Como afirmam as referidas autoras, quanto mais vulnerável for um grupo (indivíduos, famílias, grupos, comunidades), mais ele corre riscos que afetam o seu bem estar e a sua saúde. As situações de vulnerabilidade social tendem a se converter em conjunturas de risco, ou populações em situação de risco.

No âmbito da saúde, a vulnerabilidade do paciente é uma questão fundamental, visando à sua proteção de danos.  Uma definição de vulnerabilidade do paciente captura a complexidade da vulnerabilidade objetiva versus subjetiva. Na perspectiva da vulnerabilidade em geral, a vulnerabilidade nos serviços de saúde mostra como a dependência que pode aumentar o risco do paciente. Assim, a dependência se soma à vulnerabilidade relacionada às questões de saúde (ANGEL; VATNE, 2017).

De modo geral, consideram-se os adultos vulneráveis ​​se forem permanentemente ou temporariamente incapazes de cuidar de si mesmos e de seus interesses, seja por uma causa mental ou física. Adultos vulneráveis ​​estão abertos a riscos de danos psicológicos e físicos ou de serem explorados em benefício de outras pessoas: pessoas idosas que são física ou mentalmente frágeis; pessoas com déficit cognitivo, pessoas com problemas de saúde mental, pessoas que estão doentes e precisam de ajuda para realizar as funções diárias normais, pessoas com deficiência física, pessoas que sofreram um trauma recente - luto, divórcio ou perda de um emprego, por exemplo, e ainda pessoas que, por qualquer motivo, estão em relacionamentos abusivos ou pessoas sem teto. Contudo, é importante ter cautela ao se aplicarem “rótulos” de “vulneráveis” às pessoas.

Também é preciso reconhecer que ser vulnerável não é necessariamente um estado permanente ou de longo prazo. A vulnerabilidade à doença pode não ser uma característica permanente de um indivíduo. Pessoas que estão hospitalizadas para cirurgias, por exemplo, estão muito vulneráveis ​​imediatamente antes, durante e depois da operação, quando não são capazes de cuidar de si mesmas e dependem da equipe de saúde para protegê-las e garantir seu bem-estar. Mas na grande maioria dos casos elas logo serão completamente independentes de novo.

Contudo, a vulnerabilidade social predispõe a ciclos viciosos de causa e efeito - o abuso e a privação aumentam os riscos de envolvimento com drogas e crimes, o que leva à prisão e ao desemprego, o que, por sua vez, conduzem a mais privação e assim por diante.

 

Referências

Angel S, Vatne S. Vulnerability in patients and nurses and the mutual vulnerability in the patient-nurse relationship. J Clin Nurs. 2017;26(9-10):1428-1437.

Beltrão JF et al. (coord.). Direitos humanos dos grupos vulneráveis: manual. [S.l.]: DHES, 2014. Disponível em: http://livroaberto.ufpa.br/jspui/handle/prefix/511

Frank AW. The Renewal of Generosity – Illness, Medicine, and How to Live. Chicago: University of Chicago Press, 2004.

Paulon SM, Romagnoli R. Quando a vulnerabilidade se faz potência Simone Mainieri Paulon Roberta Romagnoli. Interação em Psicologia 2018; 22 (3): 178-187

Samuel S. GPs and vulnerable populations. The Royal Australian College of General Practitioners 2016; 45 (10): 697.