20 de junho de 2024

FALÁCIA ECOLÓGICA

 

Por Rilva Lopes de Sousa Muñoz


Uma falácia ecológica é um erro lógico, um erro de raciocínio, que ocorre quando as características de um grupo são atribuídas a um indivíduo. Por outras palavras, as falácias ecológicas assumem que o que é verdade para uma população é verdade para os membros individuais dessa população. Trata-se de um erro de dedução, ou seja, um erro que se comete ao passar do geral para o específico. A palavra “ecológica” é usada para se referir a um grupo ou sistema, algo que é maior que um indivíduo.

As falácias ecológicas ocorrem quando se tenta tirar conclusões sobre indivíduos com base em dados recolhidos no âmbito de coletivos ou populações. Por exemplo, se um bairro específico tem uma elevada taxa de moradores com hipertensão arterial sistêmica, pode-se presumir que qualquer residente que viva nessa área tem maior probabilidade de ser hipertenso. Um pensamento estereotipado como este pressupõe que os grupos são homogêneos, embora, na realidade, os indivíduos possam não partilhar necessariamente características do grupo a que pertencem, no caso, o seu bairro.

Uma falácia ecológica ocorre em desenhos de investigação que utilizam dados referentes a um  grupo, ou a nível agregado, para estabelecer se existe uma associação potencial entre duas variáveis. Esses estudos são chamados de estudos ecológicos, um tipo de estudo observacional onde pelo menos uma variável é medida no nível do grupo. Isto pode ser, por exemplo, a nível municipal, estadual ou nacional. A investigação em saúde pública lida frequentemente com estes tipos de variáveis.

Outro exemplo de falácia ecológica é o seguinte: Ao se ler uma notícia sobre os estados mais ricos do Brasil, pode-se assumir que nestes estados vivem mais pessoas ricas, o que constitui uma falácia ecológica. Na realidade, os estados considerados mais ricos podem ter um pequeno número de indivíduos extremamente ricos. 

A falácia ecológica pode ser problemática para qualquer estudo de pesquisa que utilize dados de coletividades ou grupos para fazer inferências sobre indivíduos. Isso tem implicações em campos como epidemiologia e economia.

Portanto, na falácia ecológica, inferem-se conclusões sobre indivíduos com base em dados agregados de grupos, levando a interpretações incorretas, em virtude da variabilidade entre indivíduos. Um exemplo típico dessa falácia é quando uma variável de grupo é usada como substituta para dados individuais desconhecidos. 

Diez-Roux (2008) cita outros exemplos de falácia ecológica: 

  1. Ao estudar a relação entre a exposição a certas substâncias e o desenvolvimento de câncer, pode-se usar a frequência de exposição no grupo como um proxy* para a exposição individual. No entanto, sem informações detalhadas sobre quem está efetivamente exposto e quem não está, e sem a distribuição conjunta da exposição e do resultado a nível individual, não podemos afirmar com certeza que os indivíduos expostos têm um risco maior de desenvolver câncer, mesmo que áreas com maior prevalência de exposição apresentem mais casos de câncer; 

  2. A relação entre renda média e obesidade quando a renda média de um país é utilizada como estimativa da renda individual. Se um pesquisador descobrir que países com renda média mais alta têm uma maior prevalência de obesidade ou um índice de massa corporal (IMC) mais elevado, e inferir que dentro de cada país os indivíduos com maior renda são os mais obesos, ele pode estar cometendo a falácia ecológica. Isso porque, dentro de um mesmo país, o IMC pode ser mais alto em pessoas de baixa renda do que em pessoas de alta renda. Portanto, ao fazer tal inferência, o pesquisador estaria erradamente aplicando uma observação de nível grupal ao nível individual.

A causa raiz das falácias ecológicas é a má interpretação da informação estatística. Os pesquisadores reúnem dados estatísticos com o objetivo de generalizar da amostra para a população, ou seja, do indivíduo para a população, e não o contrário. Neste sentido, pode-se fazer uma analogia: Quando se coletam dados em nível de grupo, este é um processo semelhante a escrever um resumo de uma dissertação: certos detalhes de informações serão perdidos ou ocultados. Os dados dos estudos ecológicos são agregados: o que pode ser aplicado em uma base populacional pode não ser necessariamente observado no âmbito individual. Assim, no geral, uma correlação tende a ser maior quando uma associação é avaliada a nível de grupo do que quando é avaliada a nível individual. Como resultado, quando estudos como estes são analisados ​​a nível individual, a relação muitas vezes desaparece.

As falácias ecológicas em projetos de pesquisa ou ao interpretar resultados de pesquisas de terceiros podem ser evitadas, segundo Nikolopoulou (2023), seguindo as etapas seguintes: 

  1. Definir claramente a unidade de análise: Antes de coletar seus dados, considerar quem ou o que pretende analisar. São indivíduos, grupos ou interações sociais? Por exemplo, quando se comparam os alunos de duas salas de aula nas notas de uma prova, o aluno individual será a unidade. Por outro lado, se quiser comparar o desempenho médio da sala de aula, a unidade de análise é o grupo, porque os dados que que estão sendo analisados referem-se ao grupo, e não ao indivíduo;

  2. Estar atento (a) aos saltos lógicos: Ao tirar conclusões em uma pesquisa, é preciso ler artigos de pesquisas baseadas em dados é preciso avaliar se a afirmação está no mesmo nível que os dados. Se a afirmação é sobre indivíduos, enquanto os dados se referem a uma população, este é um caso de falácia ecológica; e

  3. Considerar que os resultados dos dados em nível de grupo não podem ser aplicados a indivíduos; ao investigar indivíduos ou subpopulações dentro de uma população maior, é necessário se certificar de que os dados foram obtidos destes indivíduos ou de subpopulações, o que implica em seguir um método de amostragem adequado, como a amostragem estratificada, se o objetivo for analisar subpopulações específicas.


*“Proxy" é um termo em inglês que pode ser traduzido como "substituto" ou "representante" e é utilizado para descrever algo que serve como um intermediário ou indicador de outra coisa. No contexto de pesquisa e estatística, um "proxy" é uma variável que é usada para representar outra variável que pode ser difícil de medir diretamente. Por exemplo, ao se medir a exposição individual a uma substância química específica, quando não se têm dados individuais, pode-se usar a frequência de exposição da comunidade (uma variável de grupo) como um proxy. A ideia é que essa variável substituta fornece uma estimativa razoável da variável de interesse, embora não seja uma medida perfeita.

Referências

DIEZ ROUX, A. V. La necesidad de un enfoque multinivel en epidemiología. Región y Sociedad, Hermosillo, 20 (spe2): 77-91, 2008. Disponível em http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-39252008000400004&lng=es&nrm=iso. Acesso em: 20 jun 2024.

NIKOLOPOULOU, K. What Is Ecological Fallacy? Definition & Example. Scribbr. Disponível em: https://www.scribbr.com/fallacies/ecological-fallacy/. Acesso em: 20 jun. 2024.


5 de junho de 2024

GLOBAL BURDEN OF DISEASE STUDY

 

O Global Burden of Disease Study (GBD) é uma pesquisa internacional colaborativa que visa quantificar a carga de doenças, lesões e fatores de risco em todo o mundo. Ele fornece uma visão abrangente sobre a saúde global e ajuda a entender as causas de mortalidade e incapacidade nas populações. 

O GBD foi iniciado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em colaboração com a Harvard School of Public Health e o World Bank em 1990. O GBD é uma ferramenta essencial para entender a saúde global, permitindo uma abordagem baseada em evidências para melhorar a saúde pública e reduzir a carga de doenças em diferentes populações.

Desde 2007, o Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) na Universidade de Washington coordena o estudo. O GBD usa uma ampla gama de dados de mortalidade, morbidade e fatores de risco de diferentes fontes, como registros de saúde, censos, estudos de coorte e pesquisas populacionais.

A carga de doenças é medida em Disability-Adjusted Life Years (DALYs), que combinam anos de vida perdidos devido à morte prematura e anos vividos com incapacidade.

O GBD fornece estimativas anuais detalhadas de mortalidade e morbidade para uma variedade de doenças e condições em nível global, regional e nacional. Os dados são usados por formuladores de políticas, pesquisadores e organizações de saúde para identificar prioridades de saúde, alocar recursos e desenvolver intervenções de saúde pública.

O GBD é atualizado regularmente para refletir as mudanças nas tendências de saúde e melhorar a precisão dos dados com novas informações e metodologias.