10 de setembro de 2024

CAPACITISMO NA ATENÇÃO À SAÚDE

 
Durante a apresentação e  discussão do projeto baseado em equipes sobre capacitismo na disciplina de Diversidade Étnica e Cultural na Medicina, os alunos José Natanael, João Vitor, Caio, Carlos e João Vítor Estrela abordaram o tema de forma abrangente. Eles apresentaram a conceituação do capacitismo, e este como problema de saúde pública, além da questão da deficiência oculta. O grupo apresentou também os diferentes modelos de deficiência e os vários tipos de capacitismo: sistêmico, institucional, interpessoal e internalizado. Além disso, os integrantes do grupo trouxeram dados do canal de denúncias Disque 100, destacando as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência, e mencionaram a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF).
Os alunos também destacaram exemplos de atletas das Paralimpíadas em Paris, com ênfase no sucesso dos atletas brasileiros, que até o momento conquistaram 89 medalhas, incluindo cinco de ouro. Mencionaram especificamente o paraibano Petrúcio, atleta paralímpico que treinava na Universidade Federal da Paraíba. 
Para engajar os colegas, eles conduziram um quiz sobre capacitismo e atenção à saúde. Após o quiz, iniciei a discussão e abri espaço para os alunos participarem do debate. Comentei positivamente sobre a inclusão do conceito de diversidade funcional, destacando a visão mais ampla e inclusiva do grupo em relação às questões de deficiência, o que reflete um entendimento mais profundo das múltiplas dimensões da diversidade humana. Por fim, sugeri que, na apresentação dos trabalhos futuros, além das dinâmicas de grupo e debates, os próximos projetos fossem incluídos estudos de caso para enriquecer ainda mais a discussão e contextualizar o problema na prática.
A discussão começou com Ruth abordando o capacitismo estrutural e as barreiras de acessibilidade presentes em diversos contextos, como trabalho, estudo e, especialmente, em instituições de educação e saúde. Felizardo trouxe à tona exemplos de capacitismo observados na própria universidade. Ronielle comentou sobre a rotulação de pessoas ou instituições consideradas capacitistas, mas destacou que, em algumas escolas, alunos com deficiência intelectual acabam sendo nivelados por baixo, pois não conseguem acompanhar o ritmo de ensino. Ele também mencionou que a inclusão de crianças com autismo nas salas de aula, mesmo quando não têm deficiência intelectual, é limitada a um tutor, o que pode ser visto como segregação. Emmanuel acrescentou que a lei exige que crianças com autismo ou deficiência intelectual tenham acompanhantes, mencionando um caso em que sua mãe, professora municipal, precisou exigir a aplicação dessa norma em sua escola.
Felipe destacou a necessidade de tratar as diferenças de forma equitativa, com mais recursos econômicos e profissionais capacitados para atender as crianças com deficiência no sistema escolar. Karolina elogiou o grupo e apontou que a frase "nivelar por baixo" é capacitista, além de comentar que as Paralimpíadas têm menos visibilidade que as Olimpíadas, o que também reflete um tipo de capacitismo. Letícia Araújo reforçou essa observação, destacando a diferença de repercussão entre os dois eventos.
Sadrak complementou mencionando que a expectativa de limitação quando se trata de considerar pessoas com deficiência é comum, porém todos temos deficiências, ainda que nem todas sejam visíveis. Ele citou a falta de design universal como uma barreira generalizada, mencionando como frutas pré-cortadas nos supermercados são um exemplo de acessibilidade, mas com um custo elevado, é inacessível para a maioria das pessoas com deficiência. Ele também comentou sobre a inadequação de slides e materiais para pessoas com deficiência visual, incluindo daltônicos.
Samuel parabenizou o grupo e relembrou um atleta paralímpico chinês sem membros superiores, destacando a inclusão na música com exemplos como o baterista Rick Allen da banda Def Leppard, que continuou na banda após um acidente que resultou em deficiência motora. Ele também mencionou o guitarrista Tony Iommi da banda Black Sabbath, reforçando a importância da inclusão de pessoas com deficiência na música. Ambos sofreram acidentes graves que resultaram em perda de membros, mas superaram esses desafios para continuar suas carreiras musicais. Rick Allen perdeu o braço esquerdo em um acidente de carro em 1984. Ele desenvolveu uma técnica para tocar bateria usando um kit modificado, que lhe permitiu continuar como o baterista da banda. Tony Iommi perdeu a ponta de dois dedos da mão direita em um acidente de trabalho aos 17 anos, pouco antes de se juntar ao Black Sabbath. Ele usou dedais de borracha e afinou sua guitarra de forma mais leve para facilitar o toque. Assim, ambos são exemplos de superação e adaptação, continuando a tocar seus instrumentos de forma inovadora mesmo após enfrentarem limitações físicas.
A discussão também abordou preconceitos linguísticos, incluindo termos usados em esportes paralímpicos, como a "bocha", que seria pronunciada de forma diferente conforme a região do Brasil. Nesse ponto da discussão, surgiu a ideia de outro tipo de discriminação, a que envolve regionalismos e pronúncias diversas, mas surgiu o insight sobre a necessidade de evitar esse tipo de discriminação e qualquer outro, mesmo em brincadeiras. 
Francisco, ao complementar Sadrak, trouxe sua experiência como ex-estudante de Arquitetura, destacando a falta de acessibilidade nas calçadas e no campus da universidade, lembrando que o planejamento urbano muitas vezes ignora as necessidades de pessoas com deficiência. Ele retomou o ponto sobre o custo elevado de frutas pré-cortadas, ressaltando a inacessibilidade econômica para pessoas com deficiência que precisam desses produtos.
Ana Luisa compartilhou sua vivência ao visitar o Instituto dos Cegos de João Pessoa, apontando que mesmo em instituições especializadas há barreiras significativas. Francisco voltou a falar sobre a priorização de espaços para carros em detrimento de pessoas em áreas comerciais, observando que o lucro é mais valorizado que a acessibilidade. Emmanuel trouxe de volta o tema das Paralimpíadas e destacou o subfinanciamento de esportes para pessoas com deficiência, em contraste com o patrocínio elevado de esportes como o futebol para cegos.
Flávia encerrou a discussão mencionando as barreiras estruturais nas escolas, apontando que a deficiência é diversa e que o sistema educacional brasileiro ainda não implementou completamente as obrigações legais para inclusão. Ela compartilhou a experiência de um colega com deficiência em sua escola, reforçando que a inclusão ainda é exceção. Letícia Fonseca citou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que prevê a autonomia do pedagogo e o auxílio de sala para crianças com deficiência, ressaltando a falta de abordagem desse tema nos cursos de pedagogia. Guilherme finalizou comentando que a infraestrutura das instituições reproduz o capacitismo por meio das barreiras presentes tanto no sistema de saúde quanto no de educação.
Houve entrega de 20 participações por escrito dos outros componentes da turma.
O seminário decorrente do projeto baseado em equipes sobre capacitismo na atenção à saúde proporcionou uma oportunidade valiosa para refletirmos sobre as barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência no acesso aos serviços de saúde. Ao longo da discussão, ficou evidente que o capacitismo não é apenas uma questão de acessibilidade física, mas também de atitudes e práticas que perpetuam a exclusão e a discriminação.
Compreendemos que o capacitismo se manifesta de diversas formas, desde a falta de infraestrutura adequada até a desvalorização das capacidades das pessoas com deficiência. Esse preconceito estrutural afeta negativamente a saúde e o bem-estar dessas pessoas. Relatos de experiências pessoais destacaram a importância de ouvir e valorizar as vozes das pessoas com deficiência. Os desafios enfrentados por elas, como a falta de acessibilidade e o preconceito, foram discutidos em profundidade.
O combate ao capacitismo na atenção à saúde exige um esforço coletivo e contínuo. É fundamental que todos os envolvidos, desde gestores até profissionais de saúde e a sociedade em geral, se comprometam a promover a igualdade e a dignidade das pessoas com deficiência. Somente assim poderemos construir um sistema de saúde verdadeiramente inclusivo e acessível para todos.

9 de setembro de 2024

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NA SAÚDE EM RODA DE CONVERSA DO PROFSAUDE


A roda de conversa com os mestrandos do ProfSaúde, realizada no primeiro encontro presencial da disciplina Educação na Saúde com a turma 5, proporcionou um momento de reflexão sobre o processo de aprendizagem, alinhado ao objetivo de conhecer as metodologias do programa. Nesse encontro, os mestrandos compartilharam narrativas sobre suas experiências de formação, destacando aspectos que facilitaram ou dificultaram o aprendizado, seguidas por uma exposição dialogada sobre tendências pedagógicas.

Inicialmente, algumas narrativas revelaram percepções sobre professores mais inovadores, embora nem sempre o conteúdo estivesse relacionado diretamente ao aprendizado, com relatos de docentes que misturavam questões pessoais e referências midiáticas. Uma das narrativas chamou atenção para o conceito de "disciplina tamborete", referindo-se a experiências insatisfatórias com a estrutura pedagógica. Na gíria dos alunos, a expressão "disciplina tamborete" se refere a uma matéria ou disciplina que tem poucos créditos, sendo considerada "menor" em termos de carga horária ou importância no currículo acadêmico. Geralmente, esse termo é usado de maneira descontraída ou pejorativa para disciplinas que, embora obrigatórias, são vistas como menos relevantes ou que exigem menos esforço dos estudantes em comparação com outras matérias mais extensas ou complexas. A ideia do "tamborete" remete a algo pequeno e simplório, assim como essas disciplinas são vistas pelos alunos no contexto universitário.

Outra narrativa abordou a frustração com a formação tradicional, em contraste com a capilaridade maior de oportunidades educacionais em cidades como João Pessoa, em comparação a localidades menores como Cajazeiras. Nessa reflexão, foram trazidos exemplos de integração ensino-serviço e o impacto de professores inspiradores na formação dos mestrandos, principalmente ao promoverem dinâmicas problematizadoras e o reconhecimento dos determinantes sociais da saúde.

As narrativas também destacaram a experiência em programas de residência multiprofissional, como um divisor de águas na formação, especialmente ao promover um cuidado compartilhado entre profissionais de diferentes áreas da saúde. A comparação entre o ensino privado e o público foi trazida à tona, com uma mestranda observando a prevalência de um ensino mais tecnicista nas instituições privadas, enquanto as universidades públicas, como a UFPB, estavam aos poucos incorporando mudanças, apesar da resistência de docentes tradicionais.

Outro ponto central nas discussões foi o papel do médico como coordenador do cuidado nas equipes de saúde, gerando debate sobre a hierarquia nas redes de atenção à saúde. Alguns mestrandos defenderam que o médico não precisa ser necessariamente o coordenador, enquanto outros reforçaram a importância de uma coordenação longitudinal do cuidado, especialmente em contextos de atendimento de urgência e internação hospitalar.


Sistematização da Roda de Conversa

As narrativas compartilhadas pelos mestrandos evidenciam uma pluralidade de experiências que refletem tanto a diversidade das trajetórias educacionais quanto a complexidade das interações entre diferentes atores no processo de ensino-aprendizagem. Há uma tensão evidente entre métodos pedagógicos tradicionais e inovações propostas por docentes mais progressistas, o que muitas vezes provoca resistências ou mal-entendidos por parte dos profissionais envolvidos.

Os relatos sugerem que a transição para metodologias mais ativas e integradas ainda enfrenta barreiras, especialmente em instituições e equipes onde o ensino bancário e centrado no professor continua predominante. Contudo, observam-se sinais de mudança, particularmente quando há maior envolvimento dos alunos no processo de problematização e na construção de soluções práticas para os desafios do sistema de saúde.

A roda de conversa também destacou a importância da integração entre ensino e serviço, com ênfase nas práticas de cuidado compartilhado e nas experiências que promovem uma visão mais ampla e humanizada da assistência à saúde. A partir dessas experiências, fica evidente o potencial transformador das residências multiprofissionais, que promovem um aprendizado mais colaborativo e centrado nas necessidades do paciente.

Por fim, a discussão sobre o papel do médico na coordenação do cuidado reflete um desafio contemporâneo nas práticas de saúde: a necessidade de equilibrar as hierarquias profissionais com uma abordagem mais horizontal e integrada, onde todos os membros da equipe contribuem de maneira significativa para o cuidado dos pacientes. As narrativas revelam que, embora ainda haja resistência à mudança, o movimento em direção a práticas mais colaborativas está ganhando força, impulsionado pela demanda por uma atenção à saúde mais inclusiva e equitativa.

Assim, as narrativas dos mestrandos do PROFSAUDE revelam um cenário rico e complexo de aprendizagem, onde diferentes teorias podem ser aplicadas para entender melhor os processos e desafios envolvidos. A transição para metodologias mais ativas e integradas, a importância da integração entre ensino e serviço, e a promoção de práticas colaborativas são elementos que destacam o potencial transformador dessas experiências educacionais.

A construção de narrativas como metodologia de aprendizagem é uma abordagem versátil e eficaz que pode transformar a maneira como os alunos interagem com o conteúdo, tornando a educação uma experiência mais rica e envolvente.

As narrativas de vivências de aprendizagem dos mestrandos do PROFSAUDE na disciplina de Educação na Saúde podem ser analisadas e interpretadas à luz de várias teorias de aprendizagem, como as seguintes: 

1. Teoria Sociocultural de Vygotsky

A teoria sociocultural de Vygotsky enfatiza a importância das interações sociais e culturais no desenvolvimento cognitivo. No texto, a diversidade das trajetórias educacionais e a complexidade das interações entre diferentes atores no processo de ensino-aprendizagem refletem essa perspectiva. A tensão entre métodos pedagógicos tradicionais e inovações propostas por docentes mais progressistas pode ser vista como um conflito entre diferentes zonas de desenvolvimento proximal, onde os alunos e professores estão em diferentes estágios de compreensão e adaptação às novas metodologias1.

2. Aprendizagem Experiencial de Kolb

A teoria da aprendizagem experiencial de Kolb sugere que a aprendizagem é um processo cíclico que envolve a experiência concreta, a observação reflexiva, a conceitualização abstrata e a experimentação ativa. As narrativas dos mestrandos, que destacam a transição para metodologias mais ativas e integradas, exemplificam esse ciclo. A maior participação dos alunos na problematização e na construção de soluções práticas para os desafios do sistema de saúde é um exemplo claro de aprendizagem experiencial.

3. Teoria da Aprendizagem Transformadora de Mezirow

A teoria da aprendizagem transformadora de Mezirow foca na mudança de perspectivas através da reflexão crítica. As experiências compartilhadas pelos mestrandos, especialmente aquelas que promovem uma visão mais ampla e humanizada da assistência à saúde, podem ser vistas como catalisadores para a transformação pessoal e profissional. A integração entre ensino e serviço e as práticas de cuidado compartilhado são elementos que facilitam essa transformação, permitindo que os alunos reavaliem e modifiquem suas crenças e atitudes.

4. Teoria da Aprendizagem Colaborativa

A aprendizagem colaborativa enfatiza o papel do trabalho em grupo e da construção conjunta do conhecimento. As residências multiprofissionais mencionadas no texto promovem um aprendizado mais colaborativo e centrado nas necessidades do paciente, alinhando-se com essa teoria. A discussão sobre o papel do médico na coordenação do cuidado e a necessidade de uma abordagem mais horizontal e integrada refletem os princípios da aprendizagem colaborativa, onde todos os membros da equipe contribuem de maneira significativa para o cuidado dos pacientes.

As narrativas dos mestrandos revelam um panorama rico e multifacetado das experiências de aprendizagem na área da saúde. A diversidade das trajetórias educacionais e a complexidade das interações entre diferentes atores no processo de ensino-aprendizagem refletem a necessidade de abordagens pedagógicas que considerem essas variáveis. Sistematizando em categorias temáticas a roda de conversa e as narrativas dos mestrandos, pode-se levantar as seguintes:

(1)Tensão entre Métodos Tradicionais e Inovadores: A coexistência de métodos pedagógicos tradicionais e inovações propostas por docentes progressistas evidencia a necessidade de um equilíbrio. A resistência e os mal-entendidos são desafios que precisam ser abordados com sensibilidade e abertura ao diálogo.

(2) Transição para Metodologias Ativas: A transição para metodologias mais ativas e integradas enfrenta barreiras, mas também apresenta sinais de mudança positiva. O envolvimento dos alunos na problematização e na construção de soluções práticas é um passo crucial para a transformação do ensino na saúde.

(3) Integração entre Ensino e Serviço: A integração entre ensino e serviço é fundamental para promover uma visão mais ampla e humanizada da assistência à saúde. As práticas de cuidado compartilhado e as experiências colaborativas são essenciais para a formação de profissionais mais preparados e conscientes das necessidades dos pacientes.

(4) Aprendizagem Colaborativa: As residências multiprofissionais destacam o potencial transformador da aprendizagem colaborativa. A discussão sobre o papel do médico na coordenação do cuidado reflete a necessidade de uma abordagem mais horizontal e integrada, onde todos os membros da equipe contribuem de maneira significativa.

(5) Movimento em Direção a Práticas Colaborativas: Apesar das resistências, há um movimento crescente em direção a práticas mais colaborativas e inclusivas. A demanda por uma atenção à saúde mais equitativa e centrada no paciente impulsiona essa mudança, que é essencial para a evolução das práticas de saúde.


Considerações Finais

As narrativas dos mestrandos do PROFSAUDE oferecem insights valiosos sobre os desafios e as oportunidades no campo da educação em saúde. A reflexão crítica sobre essas experiências pode guiar futuras iniciativas pedagógicas, promovendo um ambiente de aprendizagem mais dinâmico, inclusivo e eficaz. A transformação do ensino na saúde depende do compromisso contínuo com a inovação, a colaboração e a humanização das práticas de cuidado.