Esta é a memória do Seminário sobre Preconceito, Discriminação e Estigma na Atenção à Saúde, apresentado pelas alunas Bianca Catarina, Hevilly Kelly e Vanessa Ingrid, no âmbito da disciplina "Diversidade Étnica e Cultural na Medicina". Neste encontro, exploraramos como essas questões impactam a prática médica, a relação entre profissionais de saúde e pacientes, e a promoção de um cuidado mais equitativo e humanizado. Agradecemos pela presença de todos os estudantes da turma e consideramos que esse momento contribuiu para reflexões e diálogos transformadores.
Os principais diapositivos apresentados foram os seguintes:
A exposição do grupo foi excelente. A distinção conceitual entre preconceito, discriminação e estigma foi elaborada de forma clara, porém o conceito de estigma precisou ser enfatizado em um feedback rápido após a exposição, pois é fundamental compreender esses diferentes tipos e formas de problemas que acarretam desigualdade e exclusão social.
O grupo apresentou uma conceituação apropriada de preconceito e discriminação.
Preconceito, como uma atitude ou crença negativa em relação a um grupo ou indivíduo, baseada em generalizações, estereótipos ou falta de conhecimento, geralmente implicando juízos desfavoráveis e irracionais como, por exemplo, acreditar que pessoas idosas precisam que seus acompanhantes falem por elas durante uma consulta médica.Discriminação, como a manifestação prática do preconceito, como foi enfatizado na exposição, envolvendo ações ou comportamentos que resultam em tratamento desigual ou injusto a determinados grupos. Pode ocorrer de maneira explícita ou sutil, individualmente ou institucionalmente, como por exemplo, considerar que uma pessoa com orientação sexual que não coincide com a heteronormativa é um paciente promíscuo.
Por outro lado, o estigma é um processo social que desvaloriza ou marginaliza uma pessoa ou grupo com base em uma característica percebida como indesejável, como foi exposto durante a apresentação oral do seminário. Contudo, é necessário completar esta definição: O sociólogo canadense Erving Goffman conceituou estigma como um atributo profundamente desvalorizador que desacredita um indivíduo perante a sociedade. Em sua obra Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada (1963), ele descreve o estigma como um fenômeno social que surge quando alguém é marcado por uma característica considerada desviada em relação às normas culturais. A palavra "estigma" vem do grego e significa "marca".
Esses conceitos estão interligados: o preconceito alimenta a discriminação, e ambos contribuem para a manutenção do estigma em diferentes contextos sociais, incluindo o da saúde.
Participações orais da turma
Pedro comentou que o trabalho é relevante e esclarecedor, destacando que buscou responder à pergunta 1 e estabelecer conexões com o seminário anterior. Ele também refletiu sobre a homogeneidade do perfil dos estudantes de medicina, observando que, nas escolas privadas, esses alunos têm pouco contato com minorias, o que reduz as oportunidades de desenvolver a intersubjetividade no ambiente escolar.
Além disso, Pedro compartilhou uma percepção adquirida durante o primeiro período do curso, notando que há vagas de estacionamento sobrando em outros centros acadêmicos, enquanto no Centro de Ciências Médicas (CCM) há escassez. Ele também mencionou que os próprios estudantes desvalorizam disciplinas da área humanística, muitas vezes rotulando-as como irrelevantes e cumprindo-as apenas por obrigação, como no caso da disciplina de diversidade.
Hevelly complementou a fala de Pedro, ressaltando a importância do esforço dos docentes para garantir que os alunos tenham contato com comunidades marginalizadas. Ela destacou que a elite manifesta uma espécie de repulsa e que, ao participarem de atividades práticas em comunidades periféricas, alguns estudantes chegam a dizer que a faculdade os colocou em um "buraco" e expressam rejeição ao atendimento dessas populações. Ela também enfatizou que a disciplina, por si só, não é suficiente para desenvolver plenamente a sensibilidade e a competência cultural dos alunos, sendo essencial que haja vivências práticas e contato real com as monorias identitárias. Por fim, ressaltou a necessidade de denunciar casos de discriminação e estigmatização contra minorias no ambiente acadêmico.
Nathália parabenizou o grupo e observou que, por vezes, profissionais de saúde já formados demonstram atitudes preconceituosas. Ela destacou que pacientes podem sentir medo ao perceberem o médico como superior, devido às diferenças de poder na relação médico-paciente. Além disso, mencionou que alguns médicos acreditam que não enfrentarão consequências ao desrespeitar pacientes, e que essa sensação de superioridade frequentemente é normalizada.
Bianca acrescentou que profissionais experientes, especialmente os mais velhos, frequentemente exibem comportamentos discriminatórios em relação a minorias. Ela observou que médicos formados em universidades federais tendem a ser mais humildes e enfatizou a importância da criação de comitês dedicados a avaliar e combater a discriminação e estigmatização de minorias nos ambientes de saúde.
Estudos recentes corroboram essas preocupações. Pesquisas indicam que vieses implícitos podem perpetuar disparidades no atendimento a populações marginalizadas, afetando a comunicação entre pacientes e profissionais de saúde. Iniciativas têm sido propostas para identificar e mitigar essas tendências, promovendo interações mais equitativas e respeitosas.
Além disso, a presença de informações tendenciosas nos currículos médicos pode influenciar negativamente a formação dos profissionais, perpetuando preconceitos e práticas discriminatórias. Projetos que utilizam inteligência artificial para identificar e corrigir esses vieses nos materiais educacionais têm sido desenvolvidos, visando a resultados de saúde mais justos e inclusivos.
Portanto, é fundamental implementar estratégias que promovam a conscientização e a educação contínua dos profissionais de saúde, abordando vieses implícitos e explícitos. A criação de comitês e a adoção de ferramentas tecnológicas podem ser passos significativos para garantir um ambiente de saúde mais inclusivo e equânime para todos os pacientes.
Antônio Neto compartilhou uma experiência vivida como estudante em uma disciplina sobre populações excluídas, destacando uma questão preocupante relacionada ao atendimento à comunidade LGBTQIAPN+ nas Unidades de Saúde da Família. Ele relatou que a discriminação ainda é uma realidade marcante nesses espaços, especialmente para pessoas transexuais, que frequentemente não têm seu nome social reconhecido pelos profissionais de saúde. Essa falta de reconhecimento institucional não apenas fere direitos fundamentais, mas também compromete a dignidade e o acesso equitativo à saúde, princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS).
Observou-se que, diante desse cenário de discriminação, muitas pessoas LGBTQIAPN+ evitam buscar atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), sobretudo nos períodos da manhã e da tarde, quando a movimentação é maior. Esse comportamento reforça um fenômeno conhecido na literatura como “evitação de cuidados de saúde” (healthcare avoidance), no qual experiências negativas anteriores e o medo da revitimização afastam determinados grupos do acesso aos serviços de saúde. Diante dessa problemática, a comunidade LGBTQIAPN+ se mobilizou e levou suas demandas à Secretaria Municipal de Saúde, reivindicando a implementação de um atendimento noturno. A proposta visava criar um ambiente onde essas pessoas se sentissem menos expostas à discriminação e mais seguras para acessar os serviços de saúde.
Durante a discussão, Antônio Neto recordou a leitura feita pelo professor Vladimir (Departamento de Promoção da Saúde/CCM/UFPB) de uma frase de Paulo Freire: “Nada é, tudo está.” Esse pensamento freiriano reflete a concepção de que a realidade é dinâmica e está em constante transformação, cabendo à educação e à mobilização social o papel de promover mudanças estruturais. Essa perspectiva dialoga com a necessidade de desconstrução de práticas discriminatórias nos serviços de saúde, enfatizando o caráter processual da construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Vanessa complementou a reflexão trazendo um exemplo dentro do próprio ambiente acadêmico, especificamente no Centro de Ciências Médicas, onde já presenciou diversas manifestações de discriminação velada contra grupos identitários. Segundo ela, discursos passivo-agressivos, frequentemente disfarçados sob a justificativa de que “é só brincadeira”, são uma forma insidiosa de perpetuação da exclusão. Esse tipo de microagressão, conforme apontado por estudos sobre preconceito estrutural, contribui para um ambiente hostil e dificulta a plena inclusão desses grupos, tanto no ensino quanto na assistência à saúde.
Realmente me sinto, como docente, muito satisfeita quando há essa correlação feita pelos meus alunos, quando eles remetem o que estão estudando no momento a vivências anteriores, de outros componentes curriculares e práticas de campo. A frase "Nada é, tudo está", atribuída ao filósofo Paulo Freire, um dos principais pensadores da educação crítica, é uma expressão que reflete e está alinhada ao pensamento dialético e com a pedagogia freireana, que valoriza a educação como um processo contínuo de mudança e construção coletiva.
José Henrique abordou o "processo de apaziguamento de questões que tiveram origem violenta", destacando a necessidade de enfrentamento dessas problemáticas. Ele mencionou a visão do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre que, em uma antiga entrevista à revista Veja, afirmou a existência de uma democracia racial no Brasil — um conceito que, na realidade, se revela um mito. Para reforçar essa reflexão, ele citou estudos do genoma humano que indicam que, entre os brasileiros testados, 70% das mulheres apresentam ascendência genética feminina negra. Esse dado convida a uma análise mais profunda sobre o processo histórico de formação da população brasileira e suas implicações na persistência das desigualdades raciais. José Henrique enfatizou ainda que o combate ao preconceito, à discriminação e à estigmatização é um desafio complexo, mas essencial, e que a postura necessária deve ser sempre a do enfrentamento dessas injustiças.
Hevelly trouxe para o debate a questão das diferenças geracionais, discutindo os desafios e malefícios associados a essas disparidades. Ela ressaltou como os preconceitos voltados às gerações mais antigas muitas vezes invisibilizam suas contribuições e perpetuam estereótipos, dificultando o diálogo intergeracional e a valorização da experiência acumulada ao longo do tempo.
Vanessa complementou a discussão trazendo um dado impactante: 85% dos brasileiros reconhecem que o racismo existe no país, mas apenas uma pequena parcela se identifica como racista. Esse paradoxo revela um problema estrutural e cultural profundo, no qual o racismo é amplamente percebido como uma questão externa, sem um reconhecimento individual da própria responsabilidade na reprodução dessas desigualdades.
Por fim, Braz problematizou a ideia de que seria possível atuar sem nenhuma forma de discriminação, destacando que o preconceito, de alguma forma, já está internalizado em todos. Para ilustrar esse ponto, ele compartilhou uma experiência pessoal: ao ir a uma consulta médica, não mencionou inicialmente que era filho de uma médica e que era um estudante de medicina. No entanto, ao revelar essa informação durante a conversa, percebeu uma mudança drástica na postura do profissional que o atendia. Esse episódio o levou a refletir sobre por que o atendimento não havia sido conduzido desde o início com a mesma atenção e respeito, questionando, assim, os critérios subjetivos que influenciam as relações sociais e profissionais.
Participações da turma por escrito
Devolutiva em construção